Esvaziar a cabeça não é fácil. Há quem ensine como. “10 dicas para relaxar a mente antes de dormir” e promessas análogas. Mas não é fácil.
Fácil é esvaziar uma xícara de café. Um copo de cerveja. Uma garrafa de cachaça Claudionor – se na companhia de um amigo ubaense. Esvaziar um prato de torresmo do Bigode, um jarro de limonada da minha irmã, bola de soprar em aniversário de criança.
(Há quem julgue fácil esvaziar bola de menino quando bate na roseira. Assim, a facada. Eu acho difícil.)
Acho difícil esvaziar pneu de carro de professor chato, ego de dondoca convencida e lixeira com bagaço de laranja dormida. Mas não tanto quanto esvaziar a cabeça nas madrugadas mais estreitas.
Diferente de esvaziar aglomeração em show dos Rolling Stones. É só gritar: “vou vomitar!!”. Dá certinho. Mas esvaziar os bofes pela goela é muito difícil. Pior ainda bebendo chá de boldo.
Esvaziar a cabeça não chega a ser tão difícil quanto esvaziar caixa de gordura ou lixeira de banheiro de rodoviária, mas chega perto. Hipnotistas e coaches zen-budistas dizem que é fácil, mas não é.
Fácil é esvaziar garrafa de Coca-Cola na ressaca, prato de carne com batata no Bar Cascatinha, mala de viagem quando a gente chega ao destino – quando volta pra casa, é difícil pra burro.
Antes esvaziar a cabeça fosse fácil como esvaziar a bacia d’água que amaciou os pés para o serviço da pedicura. A panela em que o macarrão ferveu. O colchão inflável onde as crianças fizeram algazarra até dormirem o límpido sono das cucas desocupadas. Só que não é.
“Escreva a lista de atividades do dia seguinte”, recomenda um “empreendedor serial” indiano. Não me admira a pachorra, já que a identificação “empreendedor serial” é, ela mesma, absolutamente desprovida de sentido, logo, vazia. De vaziez ele deve entender.
“Como você botou no papel, pode relaxar”, ensina o “serial entrepreneur”. Logo a mim, que acabo de botar isso no papel. “A lista estará ali quando acordar.”
A crônica também.
E daí?
Dicas falíveis para esvaziar tudo, menos a cabeça