O fim das linhas retas: por que carreiras não seguem mais uma trajetória única

A ideia de que há apenas um caminho correto na carreira já não dá conta da realidade de um mercado que se reinventa em velocidade acelerada.

Por Marcelle Tristão

Por muito tempo acreditou-se que uma carreira bem-sucedida deveria seguir uma linha reta. A narrativa tradicional era simples: estudar, conquistar o primeiro emprego, dedicar-se à mesma empresa ou área, ser promovido em intervalos previsíveis e, por fim, aposentar-se. Um roteiro que parecia seguro, até natural. 

Mas o mundo do trabalho mudou profundamente e, com ele, a forma como construímos nossas trajetórias profissionais.

Hoje, falar em carreira linear soa até restritivo. A ideia de que há apenas um caminho correto já não dá conta da realidade de um mercado que se reinventa em velocidade acelerada. Cada vez mais, vemos profissionais transitando por áreas diferentes, experimentando novos formatos de trabalho e ajustando suas escolhas ao longo da vida. O desenho da carreira deixou de ser uma linha reta e se transformou em algo mais dinâmico, adaptável e, principalmente, personalizado.

Por que as trajetórias profissionais mudaram?

A primeira razão está ligada à transformação digital. Tecnologias que até poucos anos eram novidade hoje moldam completamente o trabalho. A automação, a inteligência artificial e a digitalização de processos criaram funções inéditas e tornaram obsoletas várias outras. Esse movimento exige do profissional uma capacidade de reinvenção constante.

Outro fator é a mudança de mentalidade das novas gerações. A lógica do “subir a escada corporativa” já não é suficiente para quem busca propósito, flexibilidade e qualidade de vida. Muitos preferem experimentar caminhos diferentes a seguir um único trajeto previsível. A globalização e o avanço da gig economy também reforçaram essa diversidade, trazendo novos formatos de atuação como projetos pontuais, trabalhos híbridos e múltiplas fontes de renda.

O resultado é um mercado menos rígido e mais permeável a diferentes estilos de carreira. Isso não significa instabilidade obrigatória, mas sim a possibilidade de redesenhar escolhas profissionais de acordo com as fases da vida, os interesses pessoais e as mudanças externas.

Tipos de carreiras contemporâneas

Para compreender melhor esse cenário, vale conhecer alguns modelos de carreiras que se destacam no contexto atual. Eles mostram como é possível trilhar caminhos menos previsíveis sem perder consistência ou relevância.

Carreira em Y

A carreira em Y surgiu como uma resposta às limitações do modelo linear. Ela reconhece que nem todos desejam seguir pelo caminho da gestão. Assim, permite que o crescimento ocorra tanto pelo lado técnico, para quem prefere aprofundar-se em determinada área de especialidade, quanto pelo lado da liderança, para quem deseja coordenar equipes.

Carreira em W

Um desdobramento mais recente da carreira em Y é a carreira em W. Nela, além das trilhas de gestão e especialização, há espaço para o empreendedorismo ou papéis híbridos, que conciliam habilidades múltiplas. Esse modelo reflete muito bem a realidade atual, em que profissionais transitam entre o mercado corporativo e iniciativas próprias ao longo da vida.

Carreira proteana

O conceito foi criado pelo pesquisador Douglas Hall e descreve um modelo no qual o profissional assume o controle total de seu desenvolvimento. A carreira proteana é guiada por valores pessoais, propósito e aprendizado contínuo, mais do que pela hierarquia ou estabilidade em uma organização. Nesse formato, o sucesso é definido pelo próprio indivíduo, e não por parâmetros externos.

Carreira sem fronteiras (boundaryless career)

Esse tipo de trajetória rompe com as barreiras tradicionais entre empresas, setores e até países. O profissional que segue essa lógica se movimenta com fluidez, acumulando experiências diversas ao longo da jornada. O pertencimento não está preso a uma organização, mas à rede de contatos e ao repertório de competências que a pessoa constrói.

Carreira zig-zag ou não-linear

Talvez seja a forma mais evidente de ruptura com o modelo tradicional. A carreira em zig-zag envolve transições frequentes de áreas, setores ou funções. Alguém pode começar em marketing, migrar para educação, depois empreender e, mais adiante, retornar ao mercado corporativo. Esse formato deixa claro que consistência não é sinônimo de linearidade, mas sim de coerência entre as escolhas feitas ao longo do tempo.

Benefícios e desafios das carreiras não-lineares

Essas novas possibilidades trazem ganhos significativos. Em primeiro lugar, ampliam a adaptabilidade do profissional, que se torna mais preparado para lidar com as mudanças inevitáveis do mercado. Também permitem o desenvolvimento de competências variadas, já que experiências múltiplas enriquecem a visão de mundo e a capacidade de resolver problemas.

Outro benefício é a oportunidade de alinhar a carreira com propósitos pessoais. Em vez de seguir um caminho ditado por convenções externas, cada indivíduo pode escolher rotas que façam sentido para sua história de vida.

Mas os desafios também existem. A ausência de um roteiro pré-definido pode gerar insegurança e até receio de julgamento social. Ainda há quem associe uma trajetória não-linear a falta de foco ou instabilidade. Além disso, a necessidade de atualização constante exige disciplina e investimento contínuo em aprendizado.

Como planejar uma trajetória flexível

Se as carreiras deixaram de seguir uma linha reta, como se preparar para esse novo cenário? É claro que o ponto de partida é o autoconhecimento. Entender valores, interesses e forças pessoais ajuda a tomar decisões mais consistentes, mesmo que o caminho mude ao longo do tempo.

Outra estratégia essencial é o aprendizado contínuo. O conceito de lifelong learning já não é opcional, mas um requisito básico para se manter relevante. Cursos, certificações, mentorias, leitura e participação em comunidades profissionais tornam-se instrumentos permanentes de atualização.

Construir e cuidar de uma rede de contatos também faz diferença. Em um mercado fluido, conexões valem tanto quanto títulos. É por meio delas que surgem oportunidades de colaboração, parcerias e novas experiências.

Por fim, adotar uma mentalidade de experimentação pode ser transformador. Isso significa não ter medo de testar novas funções, aceitar projetos fora da zona de conforto ou até fazer pausas estratégicas para reavaliar os rumos. A carreira não precisa ser um trilho, pode ser um mapa em constante construção.

Conclusão: futuro do trabalho é múltiplo

O futuro aponta para trajetórias múltiplas, personalizadas e, muitas vezes, imprevisíveis. O sucesso não está mais em subir degraus de forma contínua, mas em fazer escolhas alinhadas ao que cada pessoa valoriza em cada fase da vida.

Esse novo olhar não elimina a necessidade de planejamento, mas redefine o que significa planejar. Mais do que seguir um único roteiro, trata-se de estar preparado para redesenhar o mapa sempre que necessário.

No fim das contas, a carreira deixou de ser um destino fixo e passou a ser uma jornada em movimento. Cada curva, pausa ou mudança de direção pode ser parte essencial da construção de uma trajetória única, com significado e relevância.

O convite, portanto, é para que você reflita: sua carreira precisa mesmo seguir uma linha reta? Ou pode ganhar novos contornos, mais próximos daquilo que você deseja viver?

 

Marcelle Tristão

Marcelle Tristão

Marcelle Tristão é colunista do jornal Tribuna de Minas, mentora estratégica em liderança, negócios e carreira, e cofundadora do Grupo Larch.É conveniada da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em Juiz de Fora. Psicóloga e Educadora, está no mercado há 31 anos e hoje atua com foco no desenvolvimento de empresas e pessoas com experiência nacional em consultoria e educação executiva.São mais de 1.000 horas de mentoria com CEOs, executivos de alto escalão e empresários. Especialista em gestão comportamental e inteligência emocional, ela ajuda a transformar carreiras e lideranças em ambientes cada vez mais digitais, competitivos e desafiadores.

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