Burnout: a exaustão emocional de viver no automático e esquecer de si mesma

A cultura do “trabalhe enquanto eles dormem” tem um custo alto. E ele se paga com saúde mental. Quando o trabalho ocupa todos os espaços da vida, não sobra tempo, nem energia, para cuidar de si. Dormir bem, se alimentar com calma, cultivar vínculos afetivos, praticar atividades prazerosas... tudo isso vai sendo deixado para depois. E esse "depois" muitas vezes não chega.

Por Marcelle Tristão

Nos últimos anos, a palavra burnout saiu das rodas entre psicólogos e passou a fazer parte do vocabulário cotidiano de quem vive uma rotina intensa de trabalho. E não por acaso. Cada vez mais pessoas têm sido diagnosticadas com essa síndrome, que leva a um esgotamento físico e mental extremo causado por situações de trabalho desgastantes e prolongadas.

Mas ainda que a definição mais conhecida associe o burnout apenas ao excesso de trabalho, há um aspecto menos falado, e igualmente importante, que envolve o desgaste emocional profundo, aquele que vai além do escritório e atinge o próprio sentido da vida.

É esse o ponto de partida deste texto: refletir sobre o burnout como um colapso do ser. Uma desconexão com a própria identidade, com os limites individuais e com o que nos faz humanos. Porque o burnout não nasce só da carga horária. Ele também floresce no vazio de sentido, na ausência de escuta interna e no excesso de exigências que nos fazem esquecer de nós mesmos.

Exaustão emocional e o preço de viver para o trabalho

A cultura do “trabalhe enquanto eles dormem” tem um custo alto. E ele se paga com saúde mental. Quando o trabalho ocupa todos os espaços da vida, não sobra tempo, nem energia, para cuidar de si. Dormir bem, se alimentar com calma, cultivar vínculos afetivos, praticar atividades prazerosas… tudo isso vai sendo deixado para depois. E esse “depois” muitas vezes não chega.

Nesse cenário, o workaholismo (vício em trabalho) costuma ser confundido com dedicação ou comprometimento. Mas não é. Ser workaholic não é amar o que faz. É não saber parar. É usar o trabalho como anestésico para dores mais profundas. E, com o tempo, esse estilo de vida vai corroendo a vitalidade e a saúde emocional de forma silenciosa.

É comum que mulheres, especialmente, vivenciem esse ciclo. Entre múltiplas jornadas, cobranças externas e internas, e a tentativa de se provar o tempo todo, muitas acabam se perdendo de si mesmas. Quando percebem, já não sabem mais se estão trabalhando por paixão, por obrigação ou por pura sobrevivência emocional.

O excesso de performance e a cultura de uma produtividade tóxica

Vivemos uma era em que a performance virou critério de valor. O tempo inteiro somos incentivados a sermos mais rápidos, mais eficazes, mais produtivos. E isso se estende além do trabalho: precisamos ser a melhor versão de nós mesmos o tempo todo, na carreira, nas redes sociais, nos relacionamentos.

Esse modelo de produtividade tóxica cria um ambiente propício ao burnout. Porque ele desumaniza. Ele cobra resultados, mas não oferece suporte. Ele exige presença constante, mas não respeita o cansaço. Ele elogia quem nunca para, mas esquece de perguntar como essa pessoa está.

A romantização do cansaço nos ensinou que descansar é perder tempo. E é justamente por isso que tanta gente adoece sem perceber: porque continua funcionando, mesmo estando em colapso por dentro.

A ausência de escuta interna e o descompasso com o próprio ritmo

Quando deixamos de ouvir nossos sinais internos, perdemos a chance de agir antes do colapso. O corpo fala, mas estamos tão distraídas tentando dar conta de tudo que ignoramos os sinais.

Sabe aquela dor de cabeça que aparece todo dia no fim da tarde? Aquele choro que vem do nada? A insônia recorrente? A irritabilidade constante? São alertas! Mas muitas vezes não damos a devida atenção, porque fomos ensinadas a seguir em frente a qualquer custo.

Cada pessoa tem um ritmo próprio. Um tempo de assimilação, de produção, de descanso. Quando nos desconectamos desse ritmo, passamos a viver no compasso de expectativas que não são nossas. E isso cria um descompasso profundo entre quem somos e o que fazemos. O que sentimos e o que mostramos.

A escuta interna é um antídoto poderoso contra o adoecimento. Mas ela exige silêncio, tempo e disposição para olhar para dentro.

Burnout também é ausência de sentido

Um dos aspectos mais dolorosos do burnout é perceber que, mesmo fazendo tudo “certo”, algo parece estar profundamente errado. A pessoa segue produzindo, mas sem prazer. Conquista metas, mas se sente vazia. Cumpre todas as tarefas, mas termina o dia esgotada.

Isso acontece porque o burnout não se limita a uma questão de esforço físico ou excesso de tarefas. Ele também nasce da perda de propósito, da sensação de que a vida está sem direção. 

Por isso, lidar com o burnout não é só reduzir a carga de trabalho. É repensar o que tem feito sentido, ou não. É reavaliar o que se está sustentando por pura obrigação, o que pode ser deixado para trás e o que precisa ser resgatado dentro de si.

 

Caminhos de volta: como se reconectar com você mesma

A boa notícia é que há caminhos de volta. E eles começam com pausas. Com escolhas conscientes de parar, respirar, se observar. Não para se tornar mais produtiva depois, mas para se reconectar com quem você é.

Recuperar a escuta interna é essencial. Pode ser um tempo sozinho, um momento com amigos, uma conversa sincera com alguém de confiança. O importante é criar espaços onde você possa se reencontrar com sua própria voz.

Rever sua relação com o trabalho também é parte desse processo. Perguntar-se: estou vivendo para trabalhar ou trabalhando para viver? O que faz sentido para mim hoje? Quais são meus limites? O que estou disposto a abrir mão em nome da minha saúde mental?

Voltar a se cuidar com afeto, respeitar seu próprio ritmo, reconstruir um cotidiano mais leve e verdadeiro. Tudo isso exige tempo, mas vale cada passo.

O que você tem deixado de si para dar conta do mundo?

Talvez a pergunta mais importante não seja “o que você precisa fazer agora?”, mas “o que você precisa parar de fazer?”. Quais partes de si mesmo você tem deixado para depois? Em que momentos você tem se abandonado em nome de expectativas externas?

Burnout não é sinal de fraqueza. É sinal de que algo precisa mudar. Então, se você sente que está se perdendo, pare. Respire. Escute. Talvez seja hora de retomar o caminho de volta para casa. E essa casa é você.

 

Marcelle Tristão

Marcelle Tristão

Marcelle Tristão é colunista do jornal Tribuna de Minas, mentora estratégica em liderança, negócios e carreira, e cofundadora do Grupo Larch.É conveniada da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em Juiz de Fora. Psicóloga e Educadora, está no mercado há 31 anos e hoje atua com foco no desenvolvimento de empresas e pessoas com experiência nacional em consultoria e educação executiva.São mais de 1.000 horas de mentoria com CEOs, executivos de alto escalão e empresários. Especialista em gestão comportamental e inteligência emocional, ela ajuda a transformar carreiras e lideranças em ambientes cada vez mais digitais, competitivos e desafiadores.

A Tribuna de Minas não se responsabiliza por este conteúdo e pelas informações sobre os produtos/serviços promovidos nesta publicação.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também