O idoso que vive só: quem é o responsável?

Por Jose Anisio Pitico

O artigo 230 da Constituição Federal de 1988 sustenta que “a família, a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo-lhes o direito à vida”. Partindo desse importante preceito constitucional, vou tentar, a meu modo, expressar algumas reflexões e observações sobre os cuidados sociais e públicos dispensados às pessoas idosas, com base no trabalho social que desenvolvo há mais de 30 anos na cidade, e em estudos científicos ao longo desse tempo de aprendizagem no campo da Gerontologia. A cidade mudou, a cidade envelheceu.

A família também mudou. De um modo geral, nessas minhas andanças profissionais, percebo que muitas famílias não dão conta de, sozinhas, cuidarem de seus integrantes idosos, sobretudo se eles apresentam algum diagnóstico de uma doença incapacitante, de fundo neurológico, progressivo e inexorável, como os diversos tipos de demência. Sem recursos financeiros e sem apoio emocional e espiritual, o quadro para o cuidado fica insustentável. Daí a importância e a viabilidade de se buscar a institucionalização. Por experiência própria, vivenciada em casa, entrego a vocês, o seguinte: chega um determinado ponto que nós, familiares, não damos mais conta de continuar cuidando do nosso familiar idoso por causa do avanço desobediente da doença. É muito desgaste emocional e muito estressante o manejo desse cuidado. Não temos preparo social.

Nos encontramos sem opções de serviços e não existem mesmo esses serviços que possam ser alternativas para o complemento dessa atenção. É morrer de sede em frente ao mar, como diria o Djavan. Nesse quesito sobre a responsabilidade da família para com os seus idosos, chego a uma conclusão de que a família precisa muito de apoio de toda a sociedade. Cuidar não é tão fácil assim, como possa parecer aos que estão de fora do contexto e aos julgadores de plantão. Entendo que, às vezes, a definição existencial de uma pessoa idosa escolher viver só pode ser o melhor caminho para a sua manutenção de saúde e também para o grupo familiar.

Quantos idosos não se encontram asilados dentro da própria casa? Muitas das vezes, a residência fora da casa de origem pode se constituir um excelente lugar para se viver e conviver. Nem sempre estar com a família representa ter garantia de proteção social, material, afetiva e amorosa. É o que demonstram os estudos que se ocupam de conhecer os motivos da existência da violência contra as pessoas idosas. Na maioria dos casos, apontam esses relatórios, os agressores tem uma relação de proximidade e consanguinidade com a vítima.

Os dois outros pilares listados pelo texto constitucional, direciona que a sociedade e o Estado também devem zelar pelo direito à vida das pessoas idosas, assim como a família. A sociedade está doente para a vida, independente de qualquer faixa etária. Aí chega uma pergunta que não quer calar. Com a conquista da nossa longevidade, vem também os desafios, principalmente os ligados ao envelhecimento com qualidade de vida: quem vai cuidar das pessoas idosas dependentes? De que nos adianta as letras mortas do nosso texto maior, que é a Constituição Federal, no caso, brevemente comentado o artigo 230?

A família, a sociedade e o Estado somos nós. Somos nós que precisamos mudar nossa postura, diante do nosso envelhecimento no país e na nossa cidade. Precisamos construir uma nova família, uma nova sociedade e um novo Estado que não deixem ninguém de fora da condição humana de existir com dignidade, com proteção social e com amor.

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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