Pelo tĂtulo, essa crĂŽnica pode ser (parece) de autoajuda. Nome daqueles livros que estĂŁo no topo dos mais vendidos. Os bem mais ranqueados. NĂŁo Ă©. JĂĄ li muitos livros do Paulo Coelho, na Ă©poca em que estourou vendas no mercado editorial. De alguns livros, gostei mais; outros, menos. Leio de tudo que me vem Ă s mĂŁos. HorĂłscopos, tirinhas de humor, anĂșncios de comerciais. NĂŁo fico sem ler os obituĂĄrios – verdadeiros poemas sobre a vida de quem morreu – da Folha de SĂŁo Paulo, aos finais de semana, quando recebo o jornal em casa.
Na verdade, a primeira imagem que me veio Ă mente quando comecei a escrever foi o retrato surrado e gasto de um rosto de mulher – enfermeira – eu presumo – preso Ă parede do corredor do Hospital Municipal de PorciĂșncula/RJ. No SAMDU tambĂ©m tinha esse retrato. Quando menino, a gente nĂŁo falava Posto de SaĂșde. Centro ComunitĂĄrio. Unidade BĂĄsica de SaĂșde/UBS. Unidade de Atenção PrimĂĄria Ă SaĂșde/UAPS. Nada disso. Era SAMDU. Fazendo uma pesquisa aqui no Google. O que era o SAMDU? A resposta Ă© a seguinte: Serviço de AssistĂȘncia MĂ©dica Domiciliar e de UrgĂȘncia. NĂŁo falĂĄvamos ambulĂąncia. AtĂ© os anos 70, era assim. Nasci em 1961, me lembro disso. Cortei a parte superior da coxa da perna direita com arame farpado, quando fui pegar bucha vegetal no quintal do vizinho. Fiquei dependurado na cerca de arame, Ă ponto de, por pouco, cair nas ĂĄguas do Rio Carangola que passa no fundo da casa. Eu mudei de cidade. O rio, nĂŁo. Minha mĂŁe tomou um susto danado ao ouvir os meus berros. Ela lavava roupa no tanque da ĂĄrea externa da casa. Meu pai me pegou na hora, montado em sua bicicleta, e que bicicleta!, fui na garupa. Para onde me tratar? No SAMDU. Levei quase que 15 pontos na perna. Com os cuidados impagĂĄveis da Enfermeira Neuza. Desde cedo sou muito grato a/os profissionais enfermeiro/as.
Continuando essa pesquisa, agora, sobre quem era a mulher da placa do corredor do hospital. Descubro, feito a consulta, que se trata de Celina Camargo Carreno, na Ă©poca, nova, com 30 anos de idade. Em 2017, com os seus 91 anos, Dona Celina, foi reconhecida e homenageada durante realização de uma palestra na abertura da Semana da Enfermagem do Hospital do Servidor PĂșblico Municipal de SĂŁo Paulo(HSPM) ministrada pela Presidente do Conselho Regional de Enfermagem/COREN-SP, Renata Pietro. A reportagem diz que ” Dona Celina foi abordada por um fotĂłgrafo na rua que, ao saber que era enfermeira, convidou-a a participar de um ensaio e ser o rosto de uma propaganda em prol de pacientes, profissionais da saĂșde e instituiçÔes do ramo. Ganhou notoriedade e entrou para a memĂłria de muitas geraçÔes, como na minha: “a moça do psiu”! Tornando-se assim, um Ăcone da enfermagem. Aproveito essa retrospectiva para renovar aqui minhas homenagens e agradecimentos (muitos) Ă categoria dos profissionais da enfermagem, principalmente, nesse perĂodo da pandemia, que ao lado de outros profissionais estĂŁo salvando vidas.
A imagem da Dona Celina, com o dedo indicador apontado fixo Ă boca, continua em mim. Cada vez mais na vida tenho aprendido que o silĂȘncio contribui para a melhoria de nossa saĂșde. Fora ou dentro de instituiçÔes hospitalares. O silĂȘncio Ă© tĂŁo importante que Ă© objeto de desejo dos religiosos, mĂsticos e monges, artistas, filĂłsofos, poetas e literatos. O mundo precisa de silĂȘncio. Silenciar a voz dos poderosos que sĂł planejam guerras, imposiçÔes de poder e de seus territĂłrios. Ă preciso ouvir a voz dos que sofrem. Das pessoas que estĂŁo desesperançadas, sem perspectivas de futuro. Ouvir a voz dos jovens. Das pessoas idosas que vivem na solidĂŁo de seus quartos e de seus leitos, sem ter a prĂłpria companhia de si, porque se encontram presas Ă Doença de Alzheimer e a outros tipos de doenças mentais.
Nesse tempo em que todo mundo acha que tem o quĂȘ dizer e o quĂȘ falar sobre o que acontece no mundo, no paĂs e na cidade. Um pouco de silĂȘncio nĂŁo faz mal a ninguĂ©m. Todo mundo quer produzir informação, produzir conteĂșdo. Sociedade do espetĂĄculo. Muitas pessoas querem os holofotes, nĂŁo dizem nada que tem proveito. EstĂŁo distantes do silĂȘncio delas, estĂŁo distantes de si mesmas. Mais do que nunca, penso que o silĂȘncio tem poder sim.