Razões para continuar vivo

Por Jose Anisio Pitico

É ter esperança. É ter fé e coragem. Ir em frente. Mesmo reconhecendo que a coisa está feia. O mundo está sem graça. Como na música “onde Deus possa me ouvir”, faço coro ao cantor Vander Lee, que partiu tão cedo: “as pessoas andam tristes, meus amigos são amigos de ninguém”. Precisamos humanizar a vida. As nossas relações sociais. Temos capacidade de reação e estamos reagindo. A solidariedade existe e está sendo praticada. Eu acredito.

Hoje vou muito mais a sepultamentos e velórios do que antes. De amigos ou de familiares. O que me faz enxergar e cada vez mais me aproximar da minha finitude. Definições e planejamentos de como desejo meu sepultamento fazem parte das conversas ao redor da mesa, seja no café da manhã ou no lanche ao cair da tarde. Tenho a iniciativa de organizar toda a papelada pessoal à mostra para meu ente querido: cartão do banco, com conta bancária e respectiva senha; questões como: se serei sepultado tradicionalmente ou se prefiro ser cremado; se vou doar órgãos que estão em mim ou não, são itens que não podem faltar a essa organização no momento do funeral.

Reconheço que o trabalho social cotidianamente realizado com pessoas idosas me encosta bem dessa realidade da vida. Não que a morte recaia somente sobre quem tem mais idade, não é isso. Morrer é da vida. Mas ter a companhia do sofrimento, da doença incurável, da dor que não passa, promove muitas reflexões e pensamentos em nossa caminhada.

Nesse universo de vivências diárias em que nos sentimos desconectados das pessoas ao nosso redor, com informações de todo o mundo, mas com uma comunicação vazia e inexistente em relação aos outros, dos que estão perto da gente, dos familiares, amigos, vizinhos ou pessoas comuns, nos tornamos um bando de zumbis, perdidos e sem propósito e sentido. Vale trazer as linhas escritas por Noreena Hertz, no seu livro “O século da solidão – Restabelecer conexões em um mundo fragmentado”, quando ela nos adverte que “… a manifestação contemporânea de solidão vai além do anseio por conexão com aqueles que estão fisicamente ao redor, do desejo de amar e de ser amados, e da tristeza que sentimos quando nos consideramos desprovidos de amigos. Ela também incorpora quão desconectados nos sentimos dos políticos e da política, quão desligados nos sentimos do nosso emprego e local de trabalho, quão excluídos muitos de nós se sentem dos ganhos da sociedade e quão impotentes, invisíveis e sem voz tantos de nós acreditamos ser.”

Precisamos reagir. Precisamos reagir. Por isso, penso eu, nós temos que buscar em nós mesmos razões para continuarmos vivos. Não tenho essa receita. Mas penso que a nossa saída como gênero humano é mesmo a prática do amor e da solidariedade. É o nosso exemplo que está indo todo para o Sul do país. Compaixão!

Para continuar vivo eu preciso participar da vida comunitária e cultural. Fazer política no sentido de continuar a luta de cada vez mais sensibilizar a cidade para as demandas das pessoas idosas. E convido mais gente para entrar nessa missão. Eu preciso guardar e honrar a memória do meu pai e da minha mãe no legado que eles deixaram para mim, de que a vida é bem melhor com a sala da casa cheia de gente querida.

Que razões eu tenho para continuar vivo? As de viver a vida. Principalmente ter a dimensão da conquista da solidariedade intergeracional para contribuir na transformação dessa cidade num lugar melhor para se viver para todas as idades. Com mais encontros e de mais gentilezas e generosidades entre nós.

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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