Para esse carnaval atípico que passou, onde a fantasia que eu comprei ficou guardada, a alteração no calendário, me traz, de imediato, a canção de Chico Buarque, do ano de 1971, imortalizada, se é que o Chico precisa disso, – porque ele, em si mesmo – já é imortal – mas para não perder o tom, para mim, é na arte de Caetano Veloso, que gosto dessa música. Cotidiano!…. “todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual…”. E nessa batida do fazer sempre igual, como é a minha rotina matinal do café. Ela, voluntariamente e com afeto, prepara para mim, dois ovos com temperos especiais, que se juntam ao rap 10.
Tipo de panqueca na figura de um pequeno disco. Aproveito bem, semanalmente, as ofertas dos preços desse item para a nossa alimentação. E tem sido muito bom, gostoso e barato. Voltando ao café. Enquanto isso, arrumo caprichosamente a mesa, no esforço cuidadoso para colocar tudo no lugar certo: jogo de xícaras, com as colherzinhas ao lado; geralmente, mamão picado; flocos de aveia e queijo minas. Fico na expectativa de ter feito o necessário – sem faltar nada, para evitar o detesto sair da mesa quando falta alguma coisa para o café. Em casa, diferente da música, quem acorda às seis, sou eu. Minha tarefa é arrumar a mesa. Antes, porém, faço o café. Com prazer. Tem dias que nem tanto. Menos.
Percebo a mecanização do ato. Faço por fazer. O que me faz lembrar de um poema da Adélia Prado. Tem dias que olho para as pedras, e elas estão lá. Só são pedras. Tem dias, que não. Vejo poesia nelas. É mais ou menos assim, a sensação que eu tenho. Nesse e em outros atos da rotina. Mas foi também com essa grande escritora mineira que aprendi que a poesia mora nas coisas simples que a gente faz. Posso afirmar, então, à vocês que me leem, que tenho sido muito poeta na pandemia: o que eu lavo de louças, todos os dias, não é brincadeira!
E é nessa rotina do café da manhã que, em casa, traçamos nossos planos para a vida. Refletimos sobre como estão as nossas relações familiares e como estamos com as nossas amizades. E também como nós estamos. Temos a esperança de realizar nossos sonhos e desejos, com a saída de nossa zona de conforto. De colocarmos mãos à obra. Desejar e correr atrás para realizar. Temos a vontade de conhecer outras realidades de gente, de casa e de lugares. Outras geografias.
Não adianta estar em Paris ou em outro país de elevado apego turístico, se a sua alma não está junto. Fotos para cartões postais, de nada me adiantam. Eu desejo vibrar com o que vejo, com o que se passa e com o que está na minha alma. O que eu coloco ou o que eu trago na geografia da alma. Como desejamos estar na vida nos próximos anos, no nosso envelhecimento?. Nesse aspecto desejável para ampliar o nosso autoconhecimento, o isolamento social imposto pela pandemia, contribui para quem deseja encarar a própria vida, no exercício de olharmos para dentro de nós mesmos, o que para mim é a tarefa mais importante do mundo.
Aprendo que as coisas extraordinárias estão na rotina das coisas que fazemos todos os dias. O cotidiano pode ser chato, banal e sem cor. Ao mesmo tempo em que ele pode nos inovar por dentro, pode fazer novidades de nós e em nós mesmos. Que bom que nós estamos em construção. E que a história não acabou. Estou totalmente convencido de que não existe outro lugar para o milagre acontecer que não seja na vida e dentro da gente. Quanto mais eu vivo mais eu tenho vontade de viver. E de construir caminhos onde muita gente possa passar. Com segurança, com alegria e com felicidade. A gratidão aos meus pais é minha companheira nesses tempos de ausência física de afetos. Quanto ao futuro? Um dia de cada vez. No desejo de valorizar as conquistas(por menores que sejam) e de continuar na direção de onde está a minha alma. A pergunta é essa: onde está a sua alma?