Poderia começar essa coluna trazendo uma outra música, como tenho feito nas últimas colunas, com uma certa recorrência. Poderia trazer a canção da Marina Lima, de quem também sou fã. Mas além de ter a grafia diferente, o seu título é “Fullgás”, do ano de 1984, e não é o caso aqui para essa motivação. O nome dessa coluna vai ao encontro da anotação, da apresentação do livro “Os anos”, da prestigiadíssima e premiada escritora francesa Annie Ernaux. É um pequeno texto que precede o início da obra, de autoria do escritor russo, médico e dramaturgo Anton Tchékhov, século XIX. Assim está escrito:
“- Sim. Seremos esquecidos. É a vida, nada podemos fazer. Aquilo que hoje parece importante, grave, cheio de consequências, um dia será esquecido, deixará de ter relevância. E o curioso é que não podemos saber o que será um dia considerado grande e importante ou medíocre e ridículo. (…) Pode ser também que esta vida de hoje à qual nos agarramos seja um dia considerada estranha, desconfortável, desprovida de inteligência, insuficientemente pura e, quem sabe até, passível de culpa.”
Desejo dizer a vocês que fiquei impactado, como se diz, diante do que li acima e que compartilho nesse momento. Para mim, depois de não ter mais meus pais, tenho, periodicamente, a sensação de vazio. Como se fosse assim – sentir a presença deles na ausência. Pode parecer a alguns de vocês que estou com um tom um pouco melancólico, sim, é verdade; mas, é que nas últimas semanas e meses a morte de amigos e amigas me trazem exatamente o sentido, o sentimento, da reflexão do escritor russo citado no início da coluna.
De tanto conter a realidade da vida, suas palavras me proporcionam ao mesmo tempo conforto e serenidade, e dor, por um outro lado, em um paradoxo cruel existente nas relações sociais onde percebo o quanto que nós fazemos para não sermos esquecidos. E essa situação se acentua principalmente num país como o nosso, que enterra nossa memória social a todo instante. E que não valoriza e não reconhece quem tanto fez e faz por ele. Vejamos como as pessoas idosas são tratadas!
Se, de fato, tudo é muito fugaz, a vida passa rapidamente e seremos mesmo esquecidos, como morrer e permanecer vivo? Essa me parece ser a grande questão da nossa vida. Para mim, continuamos presentes pelo amor e paixão que colocamos no que fazemos. Pode parecer um lugar comum dizer isso, piegas, clichê, mas quando encontramos sentido e propósito no que fazemos, a morte não apaga o que vivemos. Alcanço que é essa sensação de que com a morte deixamos de reconhecer a vida que tivemos é que precisa ser transformada. Assim como eu não deixo de existir porque estou velho.
Embora, convenhamos!, infelizmente, é preciso reconhecer todos os preconceitos e estereótipos sociais que temos com a passagem do tempo em nós. Uma nova educação política deve ser criada para um novo país, com o aumento cada vez maior e crescente de sua população idosa.
O que também posso receber dessa motivação que tive para produzir essa coluna é que precisamos cuidar da vida. Cuidar de nós, em qualquer tempo. Encontrar significado nos dias que constituem a nossa passagem por aqui, por mais rápida que seja. Saber reconhecer, valorizar e enaltecer as miudezas do nosso cotidiano. Ou ter sempre a Adélia Prado, escritora mineira de Divinópolis, no coração, quando nos presenteia com “o que a memória ama, fica eterno”.