As expressões afetivas de nossas relações vividas em família, na maioria das vezes, não acontecem; são e/ou estão silenciadas. Eu cresci num ambiente doméstico de limitações financeiras onde a preocupação maior era ter o quê os filhos comerem. Com a disciplina de uma mãe que presa em si, muitas das vezes, mesmo sem saber, descontava nos pequenos, a repressão (a raiva) que carregava do mando introjetado do pai. Também não cresci com troca de palavras – perguntado – sobre o que eu pensava ou sobre o que eu sentia sobre isso ou daquilo. Quando de menos idade, eu não tive treino de dizer o que eu sentia, o que eu desejava, ou o que eu queria. O que ficou bem grudado em mim é o gosto do silêncio – em diferentes formas – que eu comia, ou melhor, engolia. Das poucas vezes que dei vazão para o meu desejo de me expressar eu tive a linha puxada. Busquei liberdade nos livros. Na literatura. Aparentemente sozinho, inofensivo e sossegado no quarto, na leitura; eu viajava na companhia de outras pessoas, de outras paisagens, outros ambientes.
O tempo me levou para a frente. Ganhei estatura para ser responsável pela construção da minha vida. E hoje, sem jamais negar minhas origens familiares, pelo contrário; revisito-as com a gratidão e o amor que recebi do meu pai e da minha mãe. Na companhia do meu irmão. E com o desejo cada vez mais presente de me entregar afetivamente e amorosamente a todos eles. Realizar um resgaste em vida. Fazer um retorno à caminho de nós mesmos, de nossos valores e de nossos propósitos compartilhados em vida. Espero em Deus que dê tempo. Meu pai faleceu faz sete anos. Em um ano, no seu processo de adoecimento para a morte, trocamos vida entre nós; o que só foi possível nesse período – quando as portas estavam fechando – . Entre outras lições de vida que ficou para mim, diante dos cuidados dispensados a ele, uma delas é a seguinte: demonstre o amor que sente pelas pessoas, o quanto antes. Faça gestos concretos de amor. E se a gente puder(e se esforçar) dia-a-dia para essa realidade começar e permanecer em casa, melhor será para as nossas relações no mundo. Esse é o nosso maior desafio: ser gentil, ter paciência, palavras doces com os que coabitam o nosso espaço.
Nossas relações familiares ainda estão cheias de idealizações, de horizontes pessoais no mesmo grupo familiar que poucos se conversam. Mais do que nunca, até pela falta que eu tenho(ela está presente) quando mais jovem, o clima de intimidade e de cumplicidade não pode ser deixado de lado. Não podemos abandonar nosso desejo de interagir, de participar e de amar os projetos de futuro daqueles e daquelas que são as nossas fontes de vida. Precisamos enxergar além das montanhas e sonhar. E fazer. E aí, a idade não pode se constituir numa desculpa para se adiar o que se deseja fazer, considerando-se os limites e possibilidades existentes nessa direção. “O melhor da festa é esperar por ela”. Clarice Lispector.
Aprendi com os dias que o mundo é muito maior do que a cidade que me recebeu. Mas se eu não tivesse nascido em Porciúncula/RJ, o mundo não existiria para mim. Ou seja, o que eu sou ou o que eu vou me tornando, vem da minha família e das minhas relações com os amigos e amigas. Que nesse tempo de pandemia ficamos limitados para esse contato indispensável para o nosso crescimento. Mesmo nas relações com os de casa. Vai passar. Vacina para todo/as!