Ô, vozinha!

Por Jose Anisio Pitico

Em uma parte da letra da música “Filho único”(1976), de Erasmo Carlos, ele canta assim: “… proteção desprotege e carinho demais faz arrepender…”. O que isso tem a ver com o título da Coluna? Tem a ver que, no uso de uma metáfora, posso dizer também que “água demais mata a planta”. Ou seja: o nosso desafio é encontrar o meio, o equilíbrio das coisas e das situações que a gente vive. E no nosso convívio estamos cheios de falsos carinhos e de palavras viciadas, sem sentido, e que se encontram bem longe do que, efetivamente, sentimos. Mentimos para nós mesmos.
Com essa breve introdução, desejo ter a sua companhia, caro leitor e leitora, para uma reflexão necessária e importante sobre a existência (real) da violência contra as pessoas idosas. De vários tipos e formas. Muitas das vezes, a falta de respeito às pessoas idosas, uma grande parte delas, tão naturalizada e recorrente, vem transvestida de expressões carinhosas e de “boas intenções”.

Vozinha. Idosinho. Doninha. Senhorzinho. Senhorzinha. Vale dizer que a utilização desses diminutivos também está presente com muita frequência nos noticiários jornalísticos sobre o público idoso. Ao se infantilizar a pessoa idosa, nas matérias, tira-se a dignidade de alguém que tem vivências únicas e importantes, além de contribuir para reforçar os “nãos” existentes. Desejar ter intimidade de alguém que a gente não conhece não faz nenhum sentido. É melhor ficar quieto. Silêncio. Por isso eu trouxe no início da Coluna a música do Erasmo, quando ele diz que proteção demais desprotege… é o que acontece – via de regra – no atendimento social que as pessoas idosas (algumas) recebem. Principalmente no ambiente público e em outras, mais variadas atividades, que, no fundo, bem lá no fundo, diminuem mais, ao invés de respeitar as pessoas idosas. São afetos sociais falsos, carregados de uma narrativa extremamente gerontofóbica. Etarista. São as miudezas do cotidiano recheadas de cargas negativas sobre o nosso envelhecimento expressas nas relações sociais cotidianas. Apresento essa comunicação porque dia 15 de junho, próxima quinta-feira, a ONU chama a atenção das nações sobre o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra as Pessoas Idosas. Que historicamente sempre existiu, desde que o mundo é mundo. Infelizmente. E que nos dias atuais continua acontecendo. É preciso estar atento e forte para a gente se desvencilhar dessas armadilhas que, com o pretexto de agrado, terminam, na verdade, afundando a nossa dignidade. Refiro-me à nossa porque também faço parte dos que já passaram dos 60+.

É importante dar visibilidade a esse dia temático no calendário mundial, 15 de junho, aqui na nossa cidade. Promover debates e matérias na imprensa sobre essa realidade. Envolver cada vez as instituições de ensino superior na produção de conhecimentos científicos sobre essa e outras realidades que envolvem o processo de envelhecimento em Juiz de Fora. A violência contra as pessoas idosas não é recente. Vem de longe, de muito tempo. Precisamos criar mecanismos educativos para a criação de uma outra convivência de relacionamento com as pessoas idosas, o nosso próprio futuro. Campanhas públicas na mídia local sobre a valorização das pessoas idosas. A importância da convivência intergeracional de crianças, jovens adultos e pessoas idosas. A violência contra as pessoas idosas representa, sem dúvida alguma, um grande desafio, entre tantos outros, para a saúde pública da atualidade, porque traz impacto direto na própria pessoa idosa com marcas físicas, psicológicas e sociais. Até quando vamos admitir e aceitar essa realidade?

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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