Já fiz referências, sim, à minha terra natal, Porciúncula, cidade pequena de nome comprido. De tão querida, virou Porci. Viemos pra cá em 1968. Eu, com 7 anos de idade; meu irmão, com 3 anos. E hoje vou falar de novo dela, que recebeu o Friaça, jogador do Vasco e da Seleção Brasileira, que fez o único gol do Brasil contra o Uruguai na final da Copa do Mundo em 1950, em pleno Maracanã. Está registrado nos anais do futebol mundial. O Friaça é de Porciúncula e, como forma de uma singela homenagem, tem seu nome imortalizado, em memória, na placa do estádio municipal.
Tem muito tempo que não vou a Porciúncula. Ia mais nas férias escolares, de janeiro e de julho. E quando meus avós maternos eram vivos. Isso tem muito tempo… Mas não me sai da memória, e nem eu desejo que saia, a narrativa contada pela minha mãe, de que o Friaça queria me levar para jogar no time do Vasco, na capital do estado, no Rio de Janeiro. Se a vida tivesse alguma lógica, eu podia muito bem jogar com o Roberto Dinamite, fazer tabelinha com ele, e até mesmo, numa dessas transações, muito comum na época, no momento do troca-troca, liderado pelo eterno presidente do Fluminense Francisco Horta, e seguidores, ser trocado por algum outro jogador e atuar no Flamengo do meu coração. Aí seria o máximo de vida para mim. Não fui eu, mas o Andrade, do Vila Branca, do Bairro Monte Castelo, foi.
Em datas especiais, de feriado longo, nossa família se encontrava na casa da Dona Nilta e do seu Doca. Além do futebol e das paqueras na praça da cidade, a Semana Santa também compunha o meu itinerário emocional. A vivência na procissão com todas as coisas de um menino, andando com vela acesa protegida por uma rodela de papel, com medo de queimar a mão, fazia a gente entrar no maior silêncio do mundo, assustado apenas pelas batidas insistentes das matracas manejadas por outros meninos sacristãos que comunicavam a dor de Nossos Senhor e a nossa própria dor. Tudo era muto lindo de participar. E de chorar.
Chorar mesmo era quando a Maria Fonseca interpretava com toda emoção o cântico de sofrimento e de muita dor ao descerrar vagarosamente o rosto de Nosso Senhor expresso num pano branco _ o Santo Sudário – e apresentado à toda cidade, em direção à igreja matriz. Aí eu tinha a certeza de que nunca estaria sozinho no mundo. Minha religiosidade e minha espiritualidade têm endereço certo. Porciúncula que me deu. Como me deu um lugar no mundo. O início e o fim. O menino que vendia Ki-suco de groselha com gelo emprestado da vizinha, porque não tinha geladeira em casa, para os trabalhadores rurais, nas tardes sempre ensolaradas, continua morando em mim. Hoje eu converso com Deus, de olhos abertos, sem medo, e com a alma em êxtase, porque acredito na Páscoa, na transformação que fiz ao longo da caminhada.
Essa coluna está ligada ao momento religioso que celebramos nessa semana, e independente do credo religioso institucional, o importante é o convite à reflexão que o período nos motiva a realizar: como estou indo na construção da minha vida? Renovação. Fazer novas todas as coisas. Como nos adverte o verso apocalíptico. Para esse e para todos os domingos e dias do ano, eu te desejo, caro leitor, leitora, feliz Páscoa.