A Receita Federal diz que os livros podem perder a isenção tributária, porque são consumidos pela faixa mais rica da população, aquela que recebe acima de dez salários mínimos. Ou seja, para a Receita Federal, o pobre não lê. Mas, o que mais é negado ao pobre no Brasil? Os mais desvalidos também não podem comer, pois uma ida ao supermercado está pela hora da morte. Essencial na mesa da família brasileira, o arroz, por exemplo, que, normalmente, era vendido a cerca de R$ 15, agora chega a custar R$ 40.
Somos uma nação de famintos! Temos fome de comida e de leitura: alimentos para o corpo e para a alma. Então, caríssima dona Receita Federal, o pobre não lê e também não come, porque as duas coisas estão cada vez mais caras para quem vive com pouco dinheiro. E olha que não para por aí. Também está muito difícil ter saúde, educação, trabalho, cultura e lazer. Ao pobre, aquele indivíduo que vive com menos de R$ 457 ao mês como aponta o Banco Mundial, resta quase nada.
Porém, o que você precisa entender, digníssima Receita Federal, é que o gosto pela leitura independe do quanto o bolso está cheio. Com certeza, as pessoas mais pobres leriam mais se tivessem maior acesso aos livros. Fui aluno de instituições públicas a vida inteira. Nunca tive um certificado da rede particular. Todo o meu arcabouço de leitura foi forjado graças às bibliotecas desses estabelecimentos e ao acervo da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. Como estudante do Instituto Estadual de Educação de Juiz de Fora, a Escola Normal, a Biblioteca Municipal ficava no meio do meu caminho nas idas e vindas do colégio, e era parada obrigatória.
Que saudades daquele tempo, de subir a rampa até a seção de empréstimo e percorrer aqueles corredores e estantes. Foi lá que conheci os universos de Machado de Assis, José de Alencar, Aluísio de Azevedo, Bernardo Guimarães, Eça de Queiroz e tantos outros escritores do romantismo, realismo e naturalismo. Eram livros gastos pelo tempo e por milhares de mãos pelas quais já tinham passado. Muitos traziam anotações nos cantos das páginas e grifos, o que para mim deixava a leitura ainda mais encantadora, porque era uma maneira de conhecer as impressões de outro alguém que já tinha lido a mesma obra.
Pobre dona Receita Federal, acho que a senhora ignora o poder da leitura e, se tivesse lido muito mais ao longo da vida, saberia que livro não é coisa só para quem ganha mais de dez salários. Livro é para todo mundo que gosta de ler. E que bom seria se todos pudessem comprá-lo! O que falta, dona Receita Federal, é nosso país entender que é preciso dar condições de leitura ao maior número de pessoas. Uma vez disse aqui neste espaço e repito: “ao contrário de se pensar acerca de tributação de livros, era para haver uma grande preocupação sobre como fazê-los chegar às mãos do maior número de brasileiros, dotar as escolas de boas bibliotecas, remunerar dignamente professores para que também tenham acesso aos livros e aprimorem seu ensino, ampliar os acervos e melhorar as condições estruturais de bibliotecas públicas e criar medidas de fomento para o surgimento de novos escritores”.
Este texto, tenho certeza, não apresenta novidades a respeito da necessidade de leitura. Tudo que disse aqui já foi dito por inúmeras outras pessoas e grandes notáveis, mas, quando somos surpreendidos com uma compreensão equivocada como essa apresentada pela Receita Federal, é preciso sair em defesa do livro. Sempre!