Hoje, tive que explicar a meu pai os procedimentos necessários que ele precisa adotar para a realização de um exame médico. De repente, a ficha caiu e pensei sobre como o tempo passou. Olhando para sua mão, já enrugada pelo acúmulo de vida, lembrei de quando brincávamos de cavalinho. Ele ainda jovem, forte, com a fronte repleta de fios pretos e a testa ainda lisa, me colocava nas costas e, com os joelhos e as mãos no chão, percorria os cômodos de nossa casa como se quatro patas tivesse.
Lembrei-me ainda das mesmas mãos me ensinando a fazer carrinhos e caminhões com caixas de fósforo e de pasta de dente e tampinha de garrafa para servir como rodinhas. Algo que ele tinha aprendido na infância dele. Nessas brincadeiras, nossa relação era construída. Meu pai nunca foi de falar muito. Expor seus sentimentos, jamais. Mas acredito que ele tenha sido criado assim. Ele perdeu o seu pai muito cedo e, desde muito novo, como um dos irmãos mais velhos de uma família grande, teve que começar a trabalhar. Crescendo mais fora de casa do que junto de sua família, imagino que sentimentalidades não sejam o forte de um homem que chegou à vida adulta lá no começo da década de 1970.
A maneira de meu pai mostrar os seus sentimentos sempre foi, e ainda é, por meio de suas ações. E estar presente em todas as instâncias de minha vida é a forma que ele encontrou para expressar seu amor. Aquelas rugas que vi na mão dele são as marcas indeléveis de sua paternidade. Do trabalho que desempenhou, ao longo de sua trajetória, para que nossa família estivesse sempre cuidada e protegida.
Os anos passam e os pais envelhecem. Não é fácil encarar isso de frente! Muitas vezes, me pego em dezenas de explicações de um mesmo assunto, para que meu pai possa compreender sobre o que estamos falando. Muitas vezes é ele quem repete dezenas de vezes uma mesma história, que já foi contada outra dezena de vezes. Mas tudo isso faz parte dessa nossa relação. Muitas vezes, é justamente isso que traz uma cor a mais na paleta de tons na nossa lida diária. E, assim, piadas familiares vão sendo construídas.
Engraçado como a vida dá voltas e hoje, em muitas ocasiões, preciso me colocar na posição de pai, enquanto ele, descuidadamente, se coloca na posição de filho. O que para ele, imagino eu, deve ser uma sensação de liberdade, de poder se desvencilhar do manto da obrigação de cuidar e voltar ao tempo em que não havia preocupação, em que os dias eram mais leves e podia contar com o frescor da irresponsabilidade.
Acredito que muitos leitores e leitoras vão se identificar com o que compartilho neste texto. Afinal de contas, por mais diferentes que sejam os caminhos de cada um, nossa relação com os pais sempre atinge um ponto de interseção, e essa mudança de papel entre pais e filhos é pura consequência do amor. Sou adulto e cresci seguindo o exemplo de meus pais. A eles devo a compreensão acerca das marcas que preciso deixar por onde eu passar. Se é fácil? Digo que não é. Todavia, é necessário sempre tentar, seguindo o ciclo da vida para que minha filha também deixe suas marcas. Este texto é dedicado a todos os pais e mães, filhos e filhas!