Dor de pai

Por Marcos Araújo

“Eu senti como se ele estivesse pisando na cova do meu filho”. Essas são as palavras doloridas de um pai que teve seu filho, de 25 anos, morto pela Covid-19 e que assistiu a um homem derrubar cruzes fincadas na areia da praia de Copacabana para homenagear vítimas do coronavírus. O triste episódio aconteceu no último dia 11, quando voluntários da ONG Rio da Paz abriram cem covas rasas na praia, com cruzes e bandeiras do Brasil, para lembrar os mortos que não tiveram direito a velório e chamar a atenção para a necessidade de que o país adote ações sanitárias e econômicas eficazes de enfrentamento à pandemia.

Para esse pai, de 56 anos, e que também enfrentou a doença no seu próprio corpo, a perda de um filho jovem, saudável, fora do grupo de risco e começando a vida, é uma dor que nem o tempo terá meios de curar. Ele vai ter que lidar com ela até a sua morte. Mesmo assim, vivemos um tempo tão louco, de tão pouca empatia pelo próximo, que há aqueles que ignoram tamanha dor.

Se não fosse um fato, inclusive com imagens para provar, essa história seria inacreditável. Como aceitar que alguém, em plena consciência, seja capaz de invadir uma homenagem e desrespeitar, deliberadamente, os homenageados e seus familiares.

As vítimas da Covid-19 não têm direito a um velório. Aos seus parentes e amigos, não é permitido estarem próximos nesse momento de despedida. Em razão desses enterros solitários, homenagens, como colocar cruzes na areia da praia, é um forma de despedida para membros da família, e também servem para tirar da invisibilidade a dor dessas perdas escondidas pelas estatísticas.

Quando um desconhecido passa e derruba as cruzes, é como se houvesse mais uma perda. Só que a perda da dignidade, tanto para a vítima quanto para os pais, que não conseguem entender que tipo de humanidade é essa que não tem compaixão por aqueles que perderam seus filhos.
Esse pai cujo filho foi levado pelo coronavírus aparece em um vídeo, postado nas redes sociais, recolocando as cruzes no lugar e pedindo respeito às famílias. Em uma entrevista, ele disse que não é culpado pela crise, assim como seu filho também não, assim como as pessoas também não. É por isso que é tão difícil entender o ódio endereçado a uma homenagem às vítimas e não a um segmento, a um partido, a uma ideologia. Onde foi parar a compreensão de que vítimas são vítimas e de que não existe lado?

É preciso lembrar que essas pessoas perdidas pela pandemia não são números. Elas foram filhos, pais, amigos e até importantes para a mola da economia, porque trabalhavam, produziam e consumiam. A vida sempre é mais importante, e ter respeito a ela é o mínimo que se espera de seres humanos.

Não estamos só vivendo uma crise sanitária, que está sendo usada de forma política, há também uma crise de valores. A civilidade, em algum momento de nossa história recente, entrou no leito de uma UTI e está agonizando. Não circula no ar apenas uma epidemia provocada pelo vírus, mas a epidemia do ódio, que agora se volta até contra mortos. Ódio que escancara o que existe de pior na alma desse Brasil sem rumo e que não se cansa de mostrar ao mundo suas injustiças sociais.

Marcos Araújo

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