Que paĂs Ă© este? Que paĂs estamos nos preparando para ser? SĂŁo as perguntas que deveriam estar guiando nossas reflexĂ”es sobre o Brasil, nesta semana em que comemoramos os 200 anos do que chamamos de independĂȘncia. Todavia, nĂŁo Ă© isso o que se vĂȘ. Pelo contrĂĄrio, a impressĂŁo que temos Ă© a de que ainda vivemos no passado e no atraso em relação a outras naçÔes do planeta.
Dois sĂ©culos depois, somos independentes como? HĂĄ muito ainda do que temos de nos libertar. A fome ainda faz muitos brasileiros prisioneiros. Basta olhar nas esquinas das cidades, onde crianças imploram por comida; nos lixĂ”es onde famĂlias estĂŁo garimpando restos daquilo que serĂĄ sua Ășnica refeição do dia; e ainda para as filas de pessoas na porta de açougues Ă procura de ossos descartados.
Independentes como, se ainda hĂĄ brasileiros cativos da falta de educação? Que nĂŁo conseguem terminar seus estudos? Outros que nem conseguem começar? Como Ă© possĂvel pensar em liberdade com cortes premeditados nos campos da ciĂȘncia e da tecnologia, sem verbas que garantam o pleno funcionamento das escolas pĂșblicas? A sĂntese do que assistimos hoje no setor educacional mais se parece com um plano antinacional de inviabilização do futuro do Brasil.
Como pensar em liberdade se ainda precisamos lutar por liberdade de expressão tendo que explicar que liberdade de expressão não é direito de ofensa? Como pensar em liberdade se ainda é preciso batalhar pela liberdade de culto religioso de crenças que continuam sendo perseguidas? Como ser livre, se ainda é preciso brigar pelo direito de ser quem se é, pelo direito de amar?
Temos muitas amarras que ainda nos impedem da conquista daquilo que penso sobre o que seria independĂȘncia. Estamos em pleno 2022, mas existe uma grande parcela da população que quer viver do que ainda Ă© retrĂłgrado, que reverencia o passado, comemorando o dia da independĂȘncia com faixas pedindo a volta da ditadura, e outras desrespeitando a autonomia dos Poderes e a Constituição. Isso, enquanto outra parcela de brasileiros grita por democracia em busca de um futuro mais promissor. Dois retratos de um mesmo paĂs Ă procura de uma identidade nunca conquistada e que pode estar cada vez mais distante de ser configurada.
IndependĂȘncia como, se sob muitos aspectos ainda somos colonizados e nĂŁo sabemos respeitar as regras civilizatĂłrias? Abri este texto com um questionamento que Ă© tĂtulo de uma mĂșsica da banda LegiĂŁo Urbana. Lançada em 1987, no ĂĄlbum de mesmo nome, mas escrita em 1978 por Renato Russo, continua atual 44 anos depois. Essa atualidade da canção Ă© assustadora porque mostra que nĂŁo estamos melhores do que antes. O Brasil pode atĂ© faturar milhĂ”es, mas pouquĂssimos ficaram ricos, e as almas de nossos Ăndios ainda continuam sendo vendidas num leilĂŁo.
Antes que fique cada vez mais tarde, Ă© preciso decidir sobre o paĂs que gostarĂamos de ser, retomando aqui a segunda questĂŁo que inicia esse texto. Queremos continuar como colonos? Se a resposta for sim, vamos deixar tudo como estĂĄ, sem nos incomodarmos com nossas futuras geraçÔes. Mas se for nĂŁo, Ă© necessĂĄrio pensar na importĂąncia de elegermos pessoas, tanto para o Executivo quanto para o Legislativo, que tenham a sensibilidade e o preparo para fazer essa mudança acontecer.
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