Nostalgia, falta de criatividade e Odetes Roitmans

“Embora a nostalgia seja poderosa, ela também pode ser enganosa, levando-nos a acreditar que repetir o sucesso de outrora é garantia de sucesso no presente”. Na coluna desta semana, Marcos Araújo fala de fascínio por histórias icônicas e da falta de criatividade para construir novas narrativas cativantes.

Por Marcos Araújo

Odete Roitman Reproducao
Beatriz Segall interpretou Odete Roitman na versão original de “Vale Tudo” (Foto: Reprodução)

Como está difícil abrir um jornal ou acessar as redes sociais sem se deparar com alguma especulação sobre um possível remake de “Vale Tudo”, novela de 1988 que marcou época. São atores e atrizes desmentindo convites, disputas acirradas em testes de elenco e discussões sobre possíveis mudanças na trajetória dos personagens principais. Apesar de a Globo ainda não dar detalhes oficiais sobre a produção, as discussões em torno do elenco e das possíveis adaptações para os dias atuais são quase diárias. No meio disso tudo, cabe uma questão: existe um fascínio crescente por revisitar histórias icônicas ou há uma falta de criatividade para construir novas narrativas cativantes?

A tendência dos remakes, ao que tudo indica, não mostra sinais de enfraquecimento. Contar e recontar histórias é uma prática antiga no cinema, teatro e televisão. No entanto, nos últimos anos, o passado parece ter assumido um protagonismo ainda maior nas estratégias dos grandes grupos de mídia. Há algo de reconfortante em revisitar narrativas familiares, especialmente em tempos de mudanças rápidas e, muitas vezes, perturbadoras. O público, por vezes, encontra consolo em enredos conhecidos, mesmo que sob um novo prisma. Quem não gostaria de ver uma nova versão da odiosa Odete Roitman ou da ambiciosa Maria de Fátima enfrentando os dilemas do Brasil de hoje?

Contudo, confesso que olho com certa reserva essa onda de remakes. Difícil imaginar alguém superando Beatriz Segall no papel da vilã que desprezava seu país e lançava frases do tipo: “Eu gosto. Acho lindo, uma beleza… Mas de longe. Só em cartão postal”. Há uma magia nas versões originais que pode se perder quando tentamos atualizá-las. E, embora a nostalgia seja poderosa, ela também pode ser enganosa, levando-nos a acreditar que repetir o sucesso de outrora é garantia de sucesso no presente.

Além disso, o ressurgimento de histórias já contadas nos faz questionar: o que aconteceu com a criatividade? Enquanto muitos celebram a chance de ver clássicos sob uma nova perspectiva, outros temem que a indústria do entretenimento esteja se acomodando, preferindo reviver sucessos passados a criar novas histórias que possam se tornar os clássicos de amanhã. E, convenhamos, não há nada que garanta que um sucesso do passado será igualmente impactante em sua nova versão. No fim das contas, a última impressão é a que fica.

É claro que, para emissoras e plataformas de streaming, é difícil resistir ao apelo nostálgico. Remakes oferecem uma aposta segura: atraem um público já cativo e, ao mesmo tempo, podem conquistar novas gerações que talvez nunca tivessem se interessado pelo original. E ao atualizar um enredo, há a chance de abordar questões contemporâneas, oferecendo uma releitura que dialoga com as sensibilidades do presente. Racionalmente, tudo isso faz sentido. Mas, falando com o coração, eu ainda sou fiel às versões originais.

Enquanto o público continuar interessado e o lucro continuar a ser gerado, os remakes seguirão dominando as telas. Continuaremos esperando que os criadores nos surpreendam com uma grande-nova-história. E, se “Vale Tudo” realmente ganhar uma nova versão, será interessante ver como a novela será recontada. Espero que mantenha sua essência, com as devidas adaptações para os novos tempos. Afinal, se o passado nos ensina algo, é que ele nunca está tão distante quanto imaginamos.

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Marcos Araújo

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