RessurreiĆ§Ć£o de nossa humanidade

Por Marcos AraĆŗjo

Hoje Ć© domingo de PĆ”scoa e se espera que as pessoas tenham se preparado para receber a mensagem que essa data significa. Penso isso porque, ao longo das Ćŗltimas semanas, o que mais se viu foi a ideia de consumismo que encobre o verdadeiro sentido deste dia. ImpossĆ­vel nĆ£o reparar e nĆ£o se incomodar (bastante) com o apelo das marcas de chocolates e de todos os outros produtos que giram ao redor dessa celebraĆ§Ć£o. A todo momento, a cada entrada na internet, uma nova propaganda surgia na tela, em uma tentativa de sequestrar nossa atenĆ§Ć£o. PromoĆ§Ć£o disso e daquilo, tipos inusitados de ovos, brindes surpresas e tantas outras formas de persuasĆ£o, a fim de convencer sobre a melhor e mais vantajosa mercadoria a ser comprada.

Fora da Web tambĆ©m senti o mesmo incĆ“modo. O supermercado estava apinhado de gente. GĆ“ndolas e mais gĆ“ndolas de chocolates. Ovos com preƧos exorbitantes. Filas quilomĆ©tricas. Estacionamentos lotados. Nada disso, no entanto, parece-me ter a ver com a PĆ”scoa. Toda essa movimentaĆ§Ć£o, que substitui uma verdadeira preparaĆ§Ć£o para o dia de hoje, serve apenas para fomentar o lucro.

Claro que nĆ£o se trata de condenar o consumo de ovos de PĆ”scoa. Tento apenas chamar a atenĆ§Ć£o para a proporĆ§Ć£o de importĆ¢ncia que nossa sociedade reserva para apenas um aspecto da celebraĆ§Ć£o em detrimento de outros. Enquanto do lado de dentro do supermercado podia-se observar que a dificuldade era escolher a melhor marca para agradar aos filhos, do lado de fora, sentada na calƧada, uma mĆ£e com trĆŖs crianƧas tentava escolher, naquele dia, qual delas ficaria com a menor porĆ§Ć£o de comida, jĆ” que nĆ£o conseguia alimentar a todas da mesma forma.

Na alienaĆ§Ć£o embrulhada com papel metalizado e laƧo de fita colorida pelo consumismo, esquecemos o real sentido da PĆ”scoa, e a cena do lado de fora do supermercado, tĆ£o comum tambĆ©m nas esquinas dos grandes centros urbanos, deixa de ser percebida. Aquela famĆ­lia que nĆ£o vai ter ovo de PĆ”scoa neste domingo Ć© invisibilizada, propositalmente, uma vez que a existĆŖncia dela nos deixa constrangidos, porque sua presenƧa pesa nas consciĆŖncias, lembrando-nos da nossa desigualdade social.

ā€œO que posso fazer?ā€, muitos irĆ£o se questionar. ā€œNossa sociedade Ć© injusta e, sozinho, eu nĆ£o posso mudarā€, outros vĆ£o se justificar. A mudanƧa, que requer um longo caminho, exige um primeiro e pequeno passo, que pode ser uma tomada de consciĆŖncia. Talvez isso nĆ£o seja possĆ­vel agora, mas, quem sabe, para breve?

Estou falando de a gente tentar nĆ£o se deixar levar pela alienaĆ§Ć£o promovida pelo consumismo. De entender que o sentido da PĆ”scoa tem mais a ver com solidariedade do que com gastanƧa e com personagens com olhos arregalados que pulam de dentro dos ovos de chocolate. A PĆ”scoa, mesmo para quem nĆ£o Ć© cristĆ£o, precisa ser compreendida como um convite para que seja possĆ­vel, aceitar em nĆ³s, a ressurreiĆ§Ć£o de nossa humanidade, que anda cada vez mais perdida.

Marcos AraĆŗjo

Marcos AraĆŗjo

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