Dignidade para Adriana

Por Marcos Araújo

“Ele me chamou de senhora? Ai, moço, nunca ninguém me chamou assim!”. Essas foram as palavras que Adriana dirigiu a mim, quando eu a abordei. Ela estava sentada na calçada, perto de um antigo orelhão, comendo um pedaço do que parecia ser um sanduíche de mortadela, em uma das esquinas de Juiz de Fora. Adriana, atualmente, está em situação de rua. Muito simpática, ela concordou em dar uma entrevista para uma reportagem que eu fazia sobre o impacto da pandemia na população de rua.

A mulher completava 47 anos naquele dia e me deixou muito impressionado ao me agradecer por ter me dirigido a ela como “senhora”. Ela chegou a dizer entusiasmada para os outros companheiros, na mesma situação, que eu a havia tratado como “senhora”. A atitude de Adriana só me fez confirmar o que eu já sabia, mas nunca tinha vivenciado de forma tão direta: a necessidade que as pessoas em situação de rua têm de ser notadas e tratadas com dignidade.

Adriana me contou que, ao longo de sua vida, tinha estudado nas melhores escolas da cidade, que havia se formado em administração de empresas e que já tinha cursado duas línguas estrangeiras, mas, por força dos infortúnios da vida, depois da morte da avó com quem ela morava, acabou indo para a rua. Segundo ela, entre os companheiros de calçadas e marquises, ela encontrou a compreensão que não achava na sua família. “Tem muita gente que passa por aqui e não olha para a gente. Eles têm medo, têm nojo e é como se não existíssemos. Por isso, ser chamada de senhora me devolve um pouco do que já fui”, me disse.

Essa experiência trouxe-me de volta questões que povoavam minha cabeça quando criança e que já contei aqui. Eu tinha dificuldades para aceitar a expressão morador de rua, porque, na rua, para mim, nunca foi lugar de morar. Como alguém poderia ser morador de rua? Era uma de minhas questões. Agora, adulto, tenho melhor entendimento dessa situação, apesar de ser difícil aceitá-la. Principalmente porque sabemos que, quando há redução de direitos sociais, existe o crescimento das condições que levam as pessoas para a vulnerabilidade. E é triste ter a certeza de que, junto com a expansão da população de rua, aumenta também nossa indiferença, que nos deixa habituados à invisibilidade dessa parcela da sociedade.

Quando Adriana diz-se feliz por apenas ser chamada de senhora, ela está dizendo para o mundo que existe e que merece respeito. Atualmente, Juiz de Fora não conta com um diagnóstico sobre as pessoas que vivem nas ruas e aguarda a retomada das atividades do Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua e o desengavetamento do Plano Municipal da Política para a População em Situação de Rua. Essas são as reivindicações dos profissionais que trabalham no apoio a essas pessoas e são também o que eles acreditam que podem contribuir para que novas políticas e as já existentes sejam de fato efetivadas, colaborando para que a rua não seja lugar de morada.

Até que essas medidas sejam concretizadas, é preciso, de nossa parte, mudar o olhar para o outro, com mais empatia, porque, se esse ato não faz a situação dele se transformar de imediato, pelo menos, devolve-lhe um pouco de dignidade, que é o que Adriana e todos nós precisamos!

Marcos Araújo

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