Das laranjas à água de coco: o popular senhor Braz
“Bom dia, Seu Braz!”: Ao chegar em Juiz de Fora, há mais de meio século, Braz passou a vender laranjas de porta em porta. Há duas décadas tem uma barraca de água de coco na praça do Bom Pastor
Braz, o nome dele. E todo mundo sabe. “Bom dia, Seu Braz!”, dizem, aos montes, os que passam pelo idoso de 86 anos, mais de 20 deles vendendo água de coco na praça do Bairro Bom Pastor. “Eu era empregado. A gente, para querer pôr as coisas, não pode ser no peito. Trabalha de empregado e vai vendo as coisas. Se serviu para você, pode pôr outro comércio, então”, ensina o homem de pele muito clara e os cabelos alvos. Matuto, preserva na fala e nas histórias que gosta de contar, sentado sob a barraca montada num canto da praça, a raiz de uma vida talhada pelo trabalho no campo. “Nasci entre Tabuleiro e Goianá, no meio ali, na roça. Meus pais tiveram uns sete filhos que viveram. Mas no total devem ter tido uns 14”, conta, enquanto, a sua volta, pessoas de diferentes idades caminham, passeiam com crianças e cachorros, num pequeno recorte de natureza da qual Braz Batista de Oliveira nunca se afastou.
O peso da enxada
Braz era pequeno ainda. Aos 14, já tocava uma fazenda. “Era meeiro de café e milho. O arroz era terça: fazia três montes, dois era meu, e um só era do dono (da terra)”, explica ele, referindo-se a um modelo de trabalho comum na roça. Saiu aos 35, já casado há 13 anos com Aurora e pai de seis filhos. O sétimo nasceu em Juiz de Fora. “Da fazenda, eu comprava frango e trazia para vender aqui. Na mercearia que eu entregava os frangos, num mês de dezembro vi uma banca de laranja. A nossa lá na roça estava deste tamanhozinho (não cresceu). Aqui ela estava tão bonita. Aquilo plantou dentro de mim, e eu decidi: vou mudar para cá e só vou vender laranja”, recorda-se. Foi então que Braz começou a procurar casa na cidade, até que a primeira namorada, que já morava aqui com marido e filhos, deu-lhe a ideia de como conseguir um abono no aluguel. “Mudei e fui vender laranja. Comprava do depósito e vendia de casa em casa. Catava as ruas tudo da cidade. Um dia num bairro, outro dia num outro bairro. Ia vendendo laranja. Depois passei a trabalhar também na feira, na altura da Benjamin, beirando a linha (férrea)”, narra ele, que, no primeiro dia de feira deparou-se com uma expressão cujo significado desconhecia: “O rapaz que me chamou para a feira falou que era ‘pedra noventa’. Eu não sabia o que era isso, meu Deus do céu! Foi indo, foi indo, perguntei para ele: ‘O que vem a ser essa pedra noventa, rapaz?’. E ele me explicou: ‘É que a feira está boa (não está dando prejuízo), Seu Braz!’.”
O cheiro do gás
Braz começou a sentir o sabor da laranja em casa. “A vida foi melhorando, até que consegui comprar um terreno no Tupã. Se tivesse entrada para dar, comprava na vargem. Como não tinha, comprei no morro, pagando 30 merréis por mês, em 40 prestações. Ficava apertado, rapaz!”, conta, sorrindo, o idoso que se orgulha por nunca ter tido a carteira assinada, ainda que não tenha passado um dia sequer sem estar trabalhando. Quando completou 23 anos de contribuição e mais 22 como produtor rural, pensou em se aposentar. Era preciso, segundo um advogado que o atendeu num escritório na Rua Halfeld, comprovar o tempo arando a terra e plantando. Caso o fizesse, disse o profissional, Braz ganharia “uma bolada de dinheiro deste tamanho” (ele mostra com as mãos). “Quando chegou no fim, o moço que foi depor para mim, falou: ‘O Seu Braz tinha um botequim, e eu comprava muito dele’. Podia falar que era do meu pai, mas não falei. A gente não é de mentir. Aí, perdi”, lembra-se ele, que, tempos depois, realmente conseguiu a aposentadoria. Não era momento para pausa, no entanto. E Braz foi atuar vendendo gás. Durante os três anos em que trabalhou no depósito, comprou 32 botijões. O dono do estabelecimento havia lhe contado que cumpriria três anos do contrato e, depois, passaria o negócio para outra pessoa. O desejo de Braz era, então, tornar-se dono do lugar. Mas um filho sugeriu-lhe atuar com algo mais leve: a água de coco.
A sombra das árvores
Braz aprendeu a extrair a água do coco na praça do Bom Pastor, onde um amigo do filho mantinha um negócio, além de ter outro ponto na Rua Olegário Maciel. “Vim para cá e aprendi a trabalhar perto do clube. Para quem cortava laranja na feira, passar a mão num facão para cortar coco é muito estranho. Mas fui devagar e apanhei a manha”, diz ele, que passou para o ponto do Paineiras até que, tempos depois, ocupou o endereço de onde não mais saiu, há mais de duas décadas. “Se eu quiser vir todo dia, venho. Se não quiser, fico com a mulher em casa”, conta. Já não ouve mais “boa tarde”. Desde que adoeceu “com problema de fumaça de cigarro”, ele, que não fuma mas costumava conviver com fumantes, passou a permanecer na praça pelas manhãs, apenas, deixando o restante do expediente por conta de um filho e de um colaborador. São eles que abastecem a barraca e ligam o pequeno rádio que serve de trilha da praça. “O povo todo aqui é muito bom para mim. Aqui senta gente de barão (de dinheiro)!”, comenta, humilde, o homem querido pelos que frequentam a praça e acenam quando lhe vêem. “A vida acalmou”, afirma Braz, rodeado por árvores e cantos de pássaros a confirmarem que após o sol a sol sempre chegam os dias de sombra.