Reis do camarote
No camarote, os privilegiados. Do lado de fora, a grande massa da população. Para poucos, o “jeitinho” e o convite.
Os ossos do ofício me levam a, cotidianamente, realizar um permanente tour pelos portais de notícias. A tecla F5 do notebook já está, inclusive, desgastada. No rolê costumeiro do fim de tarde desta quinta-feira, uma notícia de canto de tela me chamou bastante a atenção: Ferj pede autorização para cada clube levar 80 convidados para a final no Maracanã.
Traduzindo em miúdos, a Federação de Futebol do estado do Rio de Janeiro pede à Secretaria de Saúde da capital Fluminense autorização para que Flamengo e Fluminense possam levar 160 pessoas à decisão do torneio estadual agendada para este sábado.
Por um lado, parece bacana ver a boa intenção da Federação em fazer a solicitação às autoridades antes de tomar qualquer decisão por conta própria. Por outro, a verdade é que a festinha de poucos convidados já aconteceu na partida de ida das finais do Cariocão, quando 150 convidados dos clubes foram ao estádio mesmo sem autorização das autoridades sanitárias.
Portanto, o pedido formal da Ferj vem após a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro multar a administração do Maracanã em cerca de R$ 14 mil por infração sanitária gravíssima. Agora, na prática, o que querem é um carimbo de legalidade para repetir a situação e agradar a poucas dezenas de privilegiados.
Tão grave quanto a falha sanitária, que inclusive recebeu da Prefeitura o rótulo de “gravíssima”, é a incompatibilidade do pedido com relação a tudo o que o futebol significa para o povo brasileiro. O esporte é só mais uma das paixões e das experiências coletivas que a pandemia nos nega.
Ver poucos escolhidos e convidados, sabe-se lá o motivo, tendo acesso ao estádio denota ainda mais a sensação de que vivemos divididos em castas. No camarote, os privilegiados. Do lado de fora, a grande massa da população. Para poucos, o “jeitinho” e o convite. Para todos, as necessárias regras sanitárias, que comprometem muitas das poucas opções de lazer da população brasileira.
Já era triste ver nossos estádios, transformados em arenas, cada vez mais elitizados e com os elevados preços de seus ingressos. Assistir a uma decisão privativa aos reis do camarote, que, no primeiro jogo, mesmo na imensidão do Maracanã, mantiveram-se aglomerados, não traz nada de benéfico.
Saudades de quando o futebol era, de fato, um esporte popular.