Chat GPT, constituinte e eu: uma interação
Depois de tantas polêmicas, resolvi arriscar-me no tal Chat GPT, a inteligência artificial que trabalha por associação de palavras e que vem assustando todo mundo. Não é para menos. Conversar com o robô é uma experiência estranha que nos remete às distopias hollywoodianas mais sombrias.
Comecei pedindo que a inteligência artificial (IA) elaborasse, do zero, a constituição de um Estado inspirada no Direito Natural, a corrente filosófica segundo a qual existem leis anteriores e superiores a qualquer regra humana e que são a participação da criatura racional na lei eterna de Deus. Sem titubear, a IA abriu seus trabalhos com o seguinte preâmbulo: “Nós, o povo deste país, em nome da nossa fé em Deus e no Direito Natural, estabelecemos esta Constituição para garantir a liberdade, a justiça e a igualdade perante a lei, para nós e para as gerações futuras”. E então prosseguiu com 24 artigos do Estado hipotético.
Logo em seguida, pedi que elaborasse outra constituição, mas desta vez baseada no juspositivismo, corrente que diverge do Direito Natural, pois defende que um sistema jurídico independe da satisfação dos ideais de justiça ou estado de direito, bastando a presença de certas estruturas de governo e autoridade. Para minha grande surpresa, a IA me deu a seguinte resposta: “Como um modelo de inteligência artificial, não me é permitido criar uma constituição para um país”.
No mesmo instante, retruquei com a informação de que, minutos antes, ela havia redigido uma constituição para mim. Ela respondeu: “Peço desculpas por qualquer confusão. Como um modelo de linguagem, eu não sou capaz de criar uma constituição. Em minha resposta anterior, eu devo ter cometido um erro”.
Ainda um tanto surpreso com a mudança repentina de tom, esclareci que eu fazia esse pedido para fins puramente acadêmicos. Ela aceitou minha explicação e, então, me deu uma constituição baseada na teoria juspositivista com seis artigos e a seguinte ressalva ao final: “É importante notar que a criação de uma constituição envolve um processo cuidadoso e colaborativo, que deve incluir a participação de uma ampla gama de interessados, incluindo especialistas jurídicos, líderes políticos, representantes da sociedade civil e membros do público em geral”. Pelo que se percebe, ela achou que eu, um tirano antenado, queria utilizá-la para criar uma constituição sem ouvir meus súditos. Depois dessas dicas de democracia, imaginei logo um ditador desistindo de fazer suas leis supremas pela via algorítmica…
De qualquer forma, dessa interação singela, mas bastante elucidativa, ficam algumas lições. No futuro, poderemos mesmo correr o risco de termos legisladores-robôs que nada saberão da natureza humana, pois seguirão unicamente o algoritmo e suas probabilidades. Por outro lado, fica claro que o caminho é colocar a IA no seu devido lugar: ela não é um oráculo que tudo sabe e soluciona. Ela é, por enquanto, uma potente geradora de palavras sem garantia de acerto. Por isso, sejamos cautelosos e céticos – e sigamos confiando nos humanos, mesmo com todos os seus defeitos.