Um pedaço de bolo: muito ou suficiente?
Um dia me ensinaram que bastante não é sinônimo de muito. Muito é abundância, o que deixa sobras. Bastante, seria apenas o suficiente, o que basta, a medida exata. A correção foi mais longe. É que sabendo da diferença, fui adotando esses significados. Exemplifico: nunca tive muito dinheiro. O que tive, estava próximo do que bastava. Por mais vezes do que eu seria capaz de contar, os valores monetários ficavam abaixo do que era necessário, o que me deixa sempre muito preocupado, assim como acontece com milhões de brasileiros, todos os meses.
Tive e tenho muitas alegrias, assim como acredito que já tenha tido problemas que bastam, o que pode me colocar em um lugar de exagerado às vezes, por atribuir um peso muito maior do que deveria a algumas situações. No entanto, nunca me faltou presença e isso faz de mim um afortunado consciente. Por isso, e por outras situações, essa relação muito/bastante me deixa comovido.
Foi o caso do aniversário de Emanuelly, uma menina de apenas cinco anos, de Anápolis (GO), que deixou muita gente com um cisco no olho essa semana – eu inclusive. No vídeo, o pai dela chega em casa com uma fatia de bolo, para dar os parabéns à filha. Ele não conseguiu comprar o bolo inteiro. Nas mãos, o pedaço, ainda na embalagem, tinha uma vela em cima e o que há de mais genuíno no gesto: a presença e a preocupação de estar com a menina, de marcar a data. É muito, porque significou algo verdadeiramente grandioso para a garota. O bastante ao mesmo tempo, porque uma superfesta, cheia de nove horas, não seria capaz de dizer tanto.
Emanuelly foi às lágrimas e disse em entrevista que não deu conta de segurá-las ao ver o pedaço de bolo. Em um mundo que valoriza cada vez mais os superlativos, gestos grandiosos, com mais ter e menos ser, essa identificação de tanta gente com a espontaneidade de Emanuelly parece não se encaixar. Mas dá algumas boas dicas.
A presença do pai é a primeira delas. Em boa parte dos lares brasileiros, esse artigo de luxo está em falta e é responsável por muitas marcas, boa parte delas traumáticas. Há também algo de educação pronunciado sutilmente. Como reconhecemos e valorizamos o carinho e o cuidado que recebemos? Que expectativas somos incentivados a criar a respeito do que achamos que temos a receber? Como entendemos o que, de fato, recebemos? O que vale mais: um bolo de vários andares por protocolo, ou um pedaço entregue de todo o coração?
Talvez, as nossas expectativas cada vez mais altas impeçam de enxergar o que realmente vale, o que é suficiente e o que extrapola. As mãos que entregam, o olhar que aguarda as nossas reações, a intenção e a preocupação que dotam de sentido e significado os objetos. Algo que ter muito dinheiro nunca vai conseguir alcançar. Alguns críticos costumam dizer que menos é mais, eu acredito que estejam corretos. Numa dessas, é preferível um abraço sincero do que um monte de exageros para cumprir tabela.