Vergonha coletiva
Quando vi a foto da jovem estuprada por 33 homens saindo de braços dados com a mãe do hospital onde ela passou por exames, no Rio, senti um nó na garganta. Não só por a vítima simbolizar todas as mulheres brasileiras que, diariamente, são barbarizadas em ônibus, trens, metrôs e na via pública, mas pela sua condição de vulnerabilidade. Além de ser mulher e mãe precoce, a adolescente é pobre, usuária de droga, provavelmente filha de uma família cujo tecido social está esgarçado há tempos. Para aqueles homens que a violentaram diversas vezes, e também para a nossa sociedade machista e escravocrata, essa menina não é ninguém. Aliás, no consenso geral, ela é aquela que provocou a violência, que se expôs ao perigo, que usava roupas curtas para ser vista, porque provavelmente acreditava que seu corpo era o que tinha de melhor.
É duro pensar que a mesma sociedade que se diz chocada com tamanha selvageria é parte do grupo de pessoas que cola adesivos na tampa do compartimento de combustível do carro com o rosto da presidente da República afastada e as pernas dela abertas para simular o coito sexual, numa apologia cruel ao estupro. Nas redes sociais, circula um vídeo do ator pornô Alexandre Frota, gravado no ano passado, no qual declara abertamente ter violentado uma mulher em um terreiro de umbanda. Em tom de deboche, ele afirmou que sentiu desejo por ela e, como a mulher não disse nada, Frota resolveu tomar a força o que ele julgava ter direito, a ponto de a moça desmaiar. A revelação – feita em um programa humorístico -, provocou risadas em um público alheio ao sofrimento do outro, acrítico, que, como o gado no pasto, se dirige para onde é tocado. Diante da repercussão negativa, o ator recuou, dizendo tratar-se de uma invenção. Será? Onde estão as autoridades desse país que não instauram um inquérito para investigar Frota e seu show particular de horrores?
Aliás, onde está cada um de nós que aceita consumir lixo em forma de entretenimento e até de falso jornalismo, através de programas de TV que têm como mote o justiçamento, a coisificação da mulher, o racismo, o sexismo, a intolerância? Onde estão os chamados cidadãos que a qualquer desentendimento no trânsito se transformam em ogros incapazes de respeitar quem segue ao volante? Infelizmente, somos parte dessa sociedade adoecida. Dormimos chocados com a notícia do estupro coletivo e, ao acordarmos, viramos a página das nossas vidas, indiferentes, até que um novo escândalo nos comova temporariamente.
Não basta se dizer contra a cultura do estupro ou exigir mais rigor para crimes hediondos. É preciso aparelhar o Estado para garantir segurança a todos, mas, essencialmente, criar políticas públicas que protejam a família, que deem empoderamento às escolas para que os alunos se sintam parte do país em que nasceram e vivem. Mais do que combater a cultura da violência, precisamos construir espaços de inclusão, capazes de dar voz e visibilidade a quem não tem. Quantas pessoas ainda precisarão ser seviciadas? Será que só nos incomodaremos, de fato, quando a violência que assistimos na TV atingir um de nós? Enquanto você lê esta crônica, aliás, mais uma brasileira terá sido estuprada. Uma a cada 11 minutos.