Adoro segunda-feira!
Aquela segunda-feira era diferente de todas as outras que tinha vivido até ali. Completamente. Estava tão empolgada com o que experimentaria, que cheguei bem mais cedo do que o horário marcado. Tudo era novo para mim. O ambiente, a função, os desafios. Teria que lidar com a minha falta de experiência e com pessoas que me olhavam desconfiadas, porque só enxergavam a minha idade. Aos 22 anos, eu era uma das mais jovens ali. As seis horas seguintes foram difíceis. E, apesar da apreensão, fui embora exultando de felicidade e, melhor, com a certeza de que poderia voltar no dia seguinte.
Naquela segunda-feira, no momento em que alcancei o pátio que dava acesso a saída, chovia. Sem dinheiro para pegar um táxi, não pestanejei quando vi um motorista manobrando para ir embora. Bati no vidro do carro e, sem cerimônia, pedi ajuda.
– Boa tarde. O senhor pode me dar uma carona?
Atencioso, o meu interlocutor perguntou para onde eu ia.
– Se o senhor puder me deixar no Centro, já está bom.
Assim foi feito. No trajeto para o meu destino, o motorista me perguntou o que fazia naquele prédio.
– Sou jornalista – disse com um orgulho que não cabia no peito -, e hoje é meu primeiro dia de trabalho.
– E você gostou?
– Vou dizer uma coisa para o senhor: escrever é tudo que quero na vida. O mais impressionante é que lá, onde estou, vou poder fazer isso todos os dias e ainda vão me pagar no final do mês por isso!
Ele deu uma gargalhada.
– Se você acredita que pode mudar o mundo, faça – respondeu, desejando-me boa sorte.
Quando o sinal fechou, só tive tempo de agradecer. Saí do carro sem saber o nome do meu benfeitor.
No dia seguinte, em meio à tarefa de me ambientar na redação, um homem cruzou o andar, e eu o reconheci de imediato.
– Olha lá a pessoa que me deu carona ontem, disse para Cláudia Pires, minha chefe à época.
Ela teve um acesso de riso.
– Mas o que foi?
– Você não sabia? Aquele lá é o famoso Dr. Juracy Neves, o dono do jornal. Gente, corre aqui para eu contar o que a nossa foca fez!
Nem preciso dizer que a notícia se espalhou como rastilho de pólvora, porque jornalista é bicho fofoqueiro. Todo mundo ficou sabendo que, no meu primeiro dia de trabalho, eu havia pedido carona, sem saber, a ninguém menos que o diretor-presidente da Tribuna. Esse episódio virou lenda para todas as gerações que passaram pelo jornal, e cada um que o contou aumentou um ponto.
Hoje, 20 anos depois e trabalhando no mesmo lugar, só posso dizer que aquela foi a melhor segunda-feira da minha vida, porque marcou o começo da carreira que havia escolhido. Desse encontro inusitado com Dr. Juracy, nasceu, ainda, uma história de respeito, pois ele sempre me incentivou a prosseguir “mudando o mundo” como eu pretensamente queria. Por isso, serei sempre grata.
Em um tempo em que o jornalismo, como modelo de negócio, está ameaçado de extinção, eu sigo acreditando que, sem o fazer jornalístico, nós, enquanto sociedade, caminharemos para a barbárie. Enquanto houver pessoas dispostas a ouvir o outro, capazes de se indignar diariamente com as injustiças que ameaçam a dignidade humana, com vontade de contribuir para a conscientização social, o jornalismo de qualidade terá sempre o seu lugar e, mesmo que as plataformas mudem, nós permaneceremos fazendo a única coisa que sabemos: contar histórias.
No momento de passar os últimos 20 anos a limpo, eu me lembrei de um professor da Faculdade de Engenharia da UFJF que me convidou para dar palestra sobre empreendedorismo. Tentei me esquivar. Argumentei que não saberia falar para um público tão diferente do que estava acostumada. Ele me disse para contar sobre o que eu fazia e arrematou:
– Compartilhe com as pessoas que vão assistir todos os obstáculos que enfrentou.
– Obstáculos? Mas não me lembro de nenhum.
Ele sorriu.
– Você é a pessoa certa.
Não sei se um dia serei a tal pessoa certa, mas, certamente, o que faço me deixa surpreendentemente feliz.