Os nascidos antes de 1986
Um dos vídeos mais compartilhados nas redes sociais – Os nascidos antes de 1986 – me trouxe profundas recordações da infância, um período da existência no qual felicidade era tocar campainha na casa do vizinho e sair correndo para não ser pego. O responsável por essa deliciosa viagem ao passado foi Nando Pinheiro, o ator que emprestou sua voz de locutor para narrar as peripécias de meninos e meninas que tiveram o privilégio de viver no tempo em que merthiolate “ardia mais do que ácido”, sim, mas ser criança era ter o passaporte carimbado para o divertimento puro e simples, sem a ansiedade gerada pela tecnologia. Época na qual podíamos brincar na rua do bairro por horas infinitas sem recebermos mensagens de WhatsApp de nossas mães que só reencontrávamos à noitinha, quando a roupa já estava suja de barro e a barriga mais vazia do que biscoito chinês.
Nando fala de uma década onde bebíamos água da mangueira do jardim sem nos sentirmos condenados à morte ou, pelo menos, sem o medo de sofrermos uma tremenda dor de barriga. Das aventuras em carrinhos de rolimã sem freio que despencavam ladeira abaixo e só paravam depois que nossos tênis da marca Conga – o modelo com solado branco, claro – tocavam o chão. De anos em que não tínhamos PlayStation, nem as dezenas de opções de canais de TV e, mesmo assim, jamais nos sentíamos entediados, porque havia muito pique para bater, pega-ladrão para correr e até o esperado jogo da salada mista, no qual combinávamos, previamente, com nossas amigas, que o beijo na bochecha só rolasse quando o sorteado fosse o garoto que paquerávamos.
A minha infância tem cheiro do peixe da barraca da Odete, uma das ambulantes do trailer estacionado na areia da Prainha, em Arraial do Cabo (RJ). Tem também gosto do picolé do Seu Rangel, um vendedor tão velhinho mas que, a cada nova temporada de férias escolares, esbanjava mais saúde do que o ano anterior. Tem o som da bronca do Atanagildo, o zelador do edifício vizinho que via sua vida se transformar num inferno diante da nossa bagunça. Tem a força das redes lançadas ao mar a cada fim de tarde, quando arrastão era só sinônimo de pesca e de um ritual mágico que se desenhava diante de nossos olhos curiosos. E ainda tem a cor branca da luz das lanternas que usávamos para iluminar as animadas caçadas noturnas de siris.
Também me lembro do dia em que meu irmão mais velho organizou uma expedição com os corajosos moleques do prédio. Com cabelo nas ventas, Sandro guiou os meninos para uma área particular da marinha, na Praia do Forno, e o grupo acabou desaparecendo por um dia. Na volta, ele teve que enfrentar um “corredor polonês” de mães aflitas, recebendo pescoções de mulheres que nem conhecia.
As lembranças são referências da nossa identidade e, apesar da infância ser um marco, cada fase da vida pode guardar o que nela elegermos de melhor, apesar das dificuldades e dos sofrimentos naturais da existência. Basta que, ao crescermos, não nos esqueçamos de sonhar, nem de aprender.