Ajudar sem ferir
No início de 2014, o mundo assistiu a uma iniciativa pioneira de doação. Uma agência de propaganda britânica criou uma ação social chamada “The street store”, na Cidade do Cabo, para atender moradores de rua da África do Sul de um jeito muito diferente. Penduradas em cabides de papelão no meio da rua, roupas doadas por um grupo de voluntários puderam ser escolhidas pelos candidatos a usá-las, como se eles estivessem fazendo compras em uma loja. Pela primeira vez na vida, indivíduos sem casa, sem emprego e sem o básico para viver vestiriam algo de que gostaram, nada parecido com os restos que diariamente lhes são impostos. Sapatos, camisas e calças em bom estado atenderam 3.500 pessoas em situação de rua em apenas um dia de evento. Todos puderam exercer o poder de escolha, ficando não com o que foi descartado, mas com o que vestiu melhor em cada um. Muitos sentiram-se bonitos pela primeira vez, conseguindo enxergar, por trás das roupas, a humanidade confiscada em rotinas de exclusão.
Replicada no mundo, a “Street store” chegará a Juiz de Fora no final do mês, quando a Praça da Estação será transformada em uma grande loja a céu aberto. Essa ideia tem muito a nos ensinar, porque fala sobre um dos comportamentos mais difíceis de se adotar: ser capaz de ajudar sem ferir. Conheço poucas pessoas dispostas a estender as mãos sem humilhar quem necessita delas. E quando penso sobre isso, o nome que me vem a mente é o de Isabel Salomão de Campos, uma mulher que conseguiu, como raras, se comover com a dor alheia. Alguém que não se curvou para si mesma nem quando as dificuldades naturais de seus mais de 90 anos surgiram, em um tempo da existência em que a maioria dos idosos acaba olhando só para dentro.
Internada, recentemente, em um hospital, por causa de uma pneumonia, agora curada, a presidente da Casa do Caminho deu uma lição de desprendimento. Ao invés de preocupar-se com a sua saúde, moveu mundos e fundos para que uma companheira de leito pudesse ter acesso ao Bipab, um respirador mecânico caro que permitiria a enferma manter o tratamento em casa, ao lado dos filhos, depois de sete meses em uma unidade hospitalar.
Também me lembro do dia em que uma criança de 6 anos bateu na porta da casa de dona Isabel com um problema “gravíssimo”. Seu pai não queria mais manter em casa o aquário que ele havia ganho. Sofrido, o menino queria saber o que fazer com seus peixinhos. Oferecendo ao garoto toda atenção que merecia, ela fez um minuto de silêncio e depois sorriu. Chamando o pequeno em um canto, abaixou seu rosto para que ficasse da altura dele e lhe confidenciou a solução que havia encontrado:
– Traga seus peixes para cá, pois eu vou cuidar deles. E sempre que você tiver saudade, venha aqui vê-los.
Emocionado com o belo destino de seus protegidos, o menino foi embora feliz da vida acreditando em um mundo onde gente de verdade é capaz de ajudar peixes e, principalmente, pessoas.