O internetês eh aki


Por MARISA LOURES

26/07/2015 às 07h00

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“Podexá q o internetês naum invadiu o textu d jornal”. Pelo menos, por enquanto. Por outro lado, nas salas de aula, a maneira de se expressar no mundo virtual, vez ou outra, aparece nas redações, deixando pais e professores de cabelo em pé. “Axo q voltar no tempo naum eh taum dificiu axim. rs”, escreveu uma aluna do oitavo ano do ensino fundamental, ao atender a minha solicitação (também sou professora de português) para entrar em uma máquina do tempo e elaborar uma produção textual. “To com sddz de vc, amga”, afirmou outra do sétimo ano, ao redigir uma carta para uma colega. Os aplicativos de trocas de mensagens hoje são uma febre, inclusive entre adultos, o que justifica o fato de o Facebook ter investido US$ 22 bilhões, no ano passado, no WhatsApp. A ferramenta já atingiu quase um bilhão de usuários. Será que chegaremos ao dia em que expressões, como “vc”, “kkk”, pq, “q”, “add” e “tb” serão incorporadas ao que é chamado de “português padrão”? “Eh motivo p” pânico?

“A comunicação que os adolescentes estabelecem entre seus pares é perfeita, extremamente funcional, ágil, rápida, expressiva e eficaz na formação de grupos”, avalia o professor do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora, Luiz Fernando Matos Rocha, observando, contudo, que é importante se adequar às diferentes esferas de comunicação. “Quem sou eu para segurar aquilo tudo que o menino escreve? Podemos pensar que ele está adotando esse tipo de linguagem numa tentativa de subverter a ordem, de colocar uma questão política diante de um excesso de formalismo, por exemplo. O professor deve entender essa manifestação e explicar que, no ambiente formal, essa maneira de escrever não se aplica.”

Luiz Fernando não acredita na possibilidade de inclusão do internetês à norma culta do português. O debate é muito mais amplo do que se imagina. “A modalidade escrita tende a ser mais conservadora, e qualquer incorporação nesse domínio é mais complicado e difícil de acontecer. Tivemos recentemente uma mudança ortográfica, e, até hoje, há uma certa resistência a ela. Essas expressões fazem parte de um plano muito particular que são os gêneros digitais”, completa o linguista.

Atendendo à urgência do tempo

Autora do livro “Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola”, Maria Teresa de Assunção Freitas ressalta que, conforme o uso, a internet pode, sim, contribuir para que os usuários tenham preguiça de escrever uma redação elaborada. Apesar disso, com ela, a escrita foi sendo redescoberta. “A linguagem é múltipla e se enriquece a partir de canais diversos”, afirma a professora que coordena o grupo de pesquisa em linguagem, interação e conhecimento, do programa de Pós-graduação em Educação da UFJF. “Na época, quando eu fiz as observações sobre os chats, eu não considerava a maneira de escrever ali errada. Eu considerava aquilo mais uma adaptação. Era preciso ser rápido para não se gastar muito tempo. A escrita era mais simplificada e baseada na oralidade”, diz Maria Teresa.

Se é impossível fugir da influência das redes sociais, pois o internetês demonstra fôlego para prosseguir, uma solução é levar o debate para a sala de aula sem qualquer preconceito. “Aí entra a função da escola de trabalhar a língua culta com os estudantes. Vejo que há casos em que os professores e alunos usam o Facebook na própria classe e discutem coisas ali mesmo. A escrita padrão não vai desaparecer, porque você não vai ficar ali vivendo só virtualmente. São situações que se somam.”

Apenas uma escorregada e nada mais

O “vossa mercê” virou você, e fala-se muito na possibilidade de ele chegar a “cê”. Mais recentemente, em 2010, verbos como “tuitar” e “blogar”, além de substantivos, como “fotolog” e “bluetooth”, entraram para a lista de verbetes do dicionário Aurélio. Diante disso, podemos acreditar que as chamadas expressões “wébicas” vão ser assimiladas pela norma padrão? “Prefiro dizer que não. Acho que as pessoas vão continuar sabendo quando e como utilizar essa linguagem. O que temos visto é o respeito ao contexto de uso”, assevera Patrícia Nora, professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da UFJF. Patrícia pesquisa o ensino mediado por computador. “Os professores têm muito receio, mas observamos o internetês muito pouco nas redações. Na verdade, é uma escorregada ou outra. A criança sabe que não usou a maneira adequada. Estamos enfrentando o que enfrentamos no passado, que é a questão norma culta versus norma não culta”, acrescenta Patrícia.

Ao que tudo indica, saber lidar com a linguagem da web é a melhor opção para se viver em meio a toda essa enxurrada de mudanças. Pensando nisso, Diego Lucas, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros do Centro de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet), de Leopoldina, aderiu à onda e utiliza, sem medo, as expressões na rede. Desde 2010, ele assina o blog “Língua de doido”, que traz um “Dicionário de internetês”. “Acho interessante entrar para esse universo dos alunos. Criei o blog, porque ficava perdido quando aparecia um internetês nos textos deles. De vez em quando, surgem algumas críticas, por parte dos mais tradicionalistas, por eu trabalhar dessa forma, mas eu acredito que a tecnologia muda, assim como a língua. “

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