Gênero x Estado laico


Por Tribuna

22/07/2015 às 07h00

Carlos Wilson de Souza Pereira, geógrafo

Embora a Constituição Federal do Brasil determine que o Estado seja laico e, portanto, sem “influências” religiosas, a prática é diferente do que a carta máxima do país exige. Aliás, prática e teoria não estão juntas no Brasil que se distingue, em pleno século XX, pela involução da mentalidade cultural. Quando católicos e evangélicos se juntam para protestar por um direito laico, percebe-se a “conservação das ideias”. Mas o que escapa a este pensamento é o fato de que as ideias novas deveriam ser adotadas quando garantem os direitos dos cidadãos.

Raciocine, se as ideias fossem conservadoras como eram anos atrás, as mulheres não poderiam votar, não usariam calças compridas, não poderiam receber herança, não poderiam dirigir, ser pastoras de igrejas ou trabalhar. Homens não poderiam ser bailarinos, chefes de cozinha, cabeleireiros, estilistas, pais que cuidam dos filhos sem a esposa, dentre outras coisas que atualmente homens e mulheres podem realizar.

Tais comportamentos sociais somente puderam existir nos dias de hoje porque as mulheres com ideias inovadoras exigiram um lugar diferente na sociedade e não se contentavam mais com as ideias conservadoras que as oprimiam. Esta opressão teve como fonte norteadora ideias religiosas equivocadas sobre determinados assuntos que as autoridades argumentavam, na época, serem corretas.

Pode-se citar como exemplo a famosa “caça às bruxas”, quando mulheres foram queimadas vivas acusadas de bruxaria. Uma das formas de se identificar uma bruxa seria um homem sonhar com uma mulher, porque somente uma bruxa poderia entrar nos sonhos de um homem. Daí a mulher era queimada viva. As autoridades perceberam que manter ideias religiosas dentro de um Estado laico e racional, portanto sem influência religiosa, não deveria existir e, assim, colocaram fim nos assassinatos das mulheres inocentes acusadas erroneamente de bruxaria.

Hoje, o Estado laico brasileiro se depara com o “problema” da ideologia do gênero, e, como foi argumentado por um manifestante, “nossas crianças seriam obrigadas a ter aula de gênero, a serem doutrinadas a desenvolver vários papéis: ensinar uma menina a jogar bola, a agir como menino”. Mas o problema aqui é a falta de conhecimento, porque as meninas jogam bola atualmente, temos até uma Seleção Brasileira Feminina de Futebol, e a escola ensinar as meninas a agirem como meninos por causa de uma ideologia de gênero é desconhecer o papel da escola em um Estado laico, bem como desconhecer que atualmente homens e mulheres trabalham em uma mesma profissão de forma igual sem que isto afete a sexualidade das pessoas. Mais uma vez, percebe-se que a falta de conhecer as ideias do outro e entendê-las corretamente está gerando protestos de núcleos religiosos que se esquecem de que o Estado laico só existe para garantir que haja evolução das ideias e atitudes, sem estas, a sociedade estaria ainda com as mulheres sendo escravas dos homens.

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