O mito da redução da maioridade penal
No dia 16 deste mês, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, por 21 votos a seis, proposta de emenda constitucional (PEC) que reduz a maioridade penal dos atuais 18 para 16 anos. Em relação ao tema, há diversas propostas em tramitação no Congresso, porém, as perspectivas são sombrias, se forem levadas em consideração as garantias fixadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que formalmente encontra-se em vigor desde julho de 1990 e que pretende assegurar às crianças e aos adolescentes condições, oportunidades e facilidades para lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Ora, não necessitamos de uma reflexão mais sofisticada para constatarmos que o Estado falha escandalosamente quando ignora os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, em especial quando não disponibiliza estrutura suficiente para assegurar concretude às políticas de atendimento e também para assegurar de forma honrosa e eficiente a aplicação das medidas socioeducativas previstas pela legislação. Neste contexto, o Estado é o primeiro a descumprir a lei!
Assim, num ambiente de irreflexão e impulsionado pela sedutora atenção da mídia, o nosso Legislativo vale-se uma vez mais do expansionismo penal, acreditando no mito de que o encarceramento irá solucionar o problema da violência contemporânea e ainda ignorando recente estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), que concluiu ser o Brasil o quarto maior encarcerador do mundo, com uma população carcerária que cresceu 77%, desde 2005. A mesma pesquisa assegura também que, nos últimos três anos, roubo, furto e envolvimento com o tráfico de drogas foram as infrações mais comuns praticadas pelos adolescentes. Já os delitos considerados graves, como homicídio, correspondiam a 8,75%; latrocínio, o roubo seguido de morte, 1,9%; estupro,1,1%, e lesão corporal, 0,9%.
Os números são relevantes e demonstram uma vez mais que os pobres, em particular a juventude pobre brasileira, serão vítimas deste embuste, pois, além de reféns de um grave e crônico problema estrutural, serão precocemente remetidos para o sistema prisional, reconhecidamente estigmatizante, promíscuo, insalubre e corroído pela corrupção endêmica. Cumprida a pena, como retornarão para o convívio social?
A ordem jurídica vigente situa a prisão num patamar de extrema ratio, e o Estatuto da Criança e do Adolescente pugna pela brevidade e excepcionalidade das medidas de internação, tudo nos levando a crer que, além de odiosa, incriminadora e autoritária, esta proposta não encontra acolhimento no ordenamento jurídico vigente, ao contrariar cláusula pétrea da Constituição Federal.
Importa ainda evidenciar que não existem estudos idôneos capazes de demonstrar a eficácia da medida proposta. Não há relação confiável entre o rigor desmedido na repressão e a real diminuição dos índices de criminalidade! Ao contrário, surgem como reais alternativas de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei, as medidas socioeducativas em meio aberto sem o rompimento com a comunidade, o que reforça a concepção de que o melhor caminho para o combate à criminalidade passa pela promoção dos direitos fundamentais. Com razão, o poeta e escritor português Fernando Pessoa, quando, ao discorrer sobre o mito, assim se pronunciou: “o mito é o nada que é tudo”.