Dano temporal


Por Débora Paixão de Souza, advogada

17/05/2015 às 06h00- Atualizada 18/05/2015 às 14h26

O Código de Defesa do Consumidor determina que os fornecedores têm obrigação de disponibilizar no mercado produtos e serviços de qualidade e, ainda, não cometer práticas abusivas com seus consumidores. Então, caso os fornecedores cumprissem as determinações do CDC, todos os problemas oriundos da qualidade de seus produtos e/ou serviços deveriam ser resolvidos imediatamente, por si mesmos, sem a necessidade de reclamação ou intervenção do consumidor, uma vez que este não foi o causador do mal. Na prática, o que identificamos é justamente o oposto, uma inversão dos papéis, em que aos consumidores é dada a árdua tarefa de tentar resolver um problema que não foi criado por ele e cuja solução não está em suas mãos. O que se observa facilmente é que as empresas, sejam públicas ou privadas, têm deixado de lado sua obrigação com a qualidade para focarem tão somente no lucro.

Hoje em dia, os consumidores perdem precioso tempo de suas vidas para tentarem resolverem questões de consumo. São horas e horas em filas de bancos (que não disponibilizam mais atendentes e nem os capacitam para um atendimento mais eficaz), em lojas (a fim de reclamar e requerer a troca de produtos com defeito), em telefonemas (para reclamar de faturas de cartão, telefone, TV por assinatura, internet, para pedir cancelamento de um contrato), longas esperas por voos cancelados, enfim, situações que certamente qualquer cidadão comum já teve que vivenciar.

Ocorrências como as acima mencionadas são repetidamente levadas a julgamento em nossos tribunais. Ocorre que, em virtude de o tempo não ser um bem jurídico tutelado pela Constituição Federal, como o é a honra, por exemplo, muitos juízes e desembargadores alegam se tratar de um mero dissabor, não passível de indenização de ordem moral. Mas fato é que não pode ser considerado normal um consumidor ter que assumir a responsabilidade por um erro que não é seu, mas do fornecedor.

Essa transferência de responsabilidade, no vício de produto ou serviço, impõe ao consumidor um enorme desgaste, com perda de incalculáveis horas e dias que poderiam estar sendo usados no trabalho, lazer, estudo, descanso ou com a família. Este é o chamado Desvio Produtivo do Consumidor, que pode ser considerada uma situação de certa forma nova no cotidiano da população em geral, pois, à medida que se cresce o consumo, novas situações vão surgindo e merecem ser tuteladas pelo ordenamento jurídico pátrio. Quando o consumidor tem que despender seu tempo para resolver questões de consumo, deixa de usufruir seus direitos constitucionalmente garantidos, tais como os acima mencionados, lazer, trabalho, dentre outros.

O jurista Marcos Dessaune é o precursor da tese de Desvio Produtivo do Consumidor e defende a aplicação de uma indenização chamada de dano temporal, para casos em que os consumidores são submetidos a uma verdadeira via crúcis na busca por resolução de problemas de consumo. Hoje, a chamada indenização por dano temporal ainda é novidade, sendo aceita por poucos juízes e desembargadores, mas o fato é que, aos poucos, esta tese vem ganhando força em nosso ordenamento jurídico, já tendo sido aplicada em alguns tribunais estaduais, tais como o de Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

Sendo fato importante e comum em nosso cotidiano, a tendência é de que sua aceitação cresça com o decorrer do tempo, cabendo aos advogados, atendendo aos interesses de seus clientes, trabalharem para que esta tese ganhe cada vez mais força e torne-se majoritariamente aceita nos tribunais.

A perda de tempo, indiscutivelmente, gera prejuízos de ordem financeira e social às pessoas, sendo imprescindível o reconhecimento de dever de reparação. Seja como uma subespécie do dano moral, ou como um instituto autônomo, o dano temporal tem que ser reconhecido juridicamente, a fim de que sejam punidos os fornecedores pela má qualidade de seus produtos e serviços e, ainda, para compensar o desgaste físico, mental e perda de tempo do consumidor.

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