Viagem ao centro da crise
Em recente e apressada viagem à Brasília (22 horas, ida e volta) pude refletir um pouco sobre a atual crise política e tirar algumas conclusões. Eu, o jornalista Ricardo Miranda e os vereadores Rodrigo Mattos (PSDB) e Júlio Gasparette (PMDB), atual e ex-presidente da Câmara, fomos solicitar ao ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, urgência no processo de outorga que permitirá a TV Câmara transmitir em canal aberto. Entre outros ganhos, a mudança dará maior transparência aos trabalhos do Legislativo local, benefício que será estendido às Câmaras da microrregião.
Ainda na estrada, fomos informados da prisão do tesoureiro do meu partido, o PT, João Vaccari Neto, em mais uma etapa da operação “Lava jato”. O impacto da notícia aos poucos deu lugar a uma discussão sobre os possíveis desdobramentos das investigações. Todos manifestaram preocupação com os efeitos da crise sobre o futuro da política e da economia brasileira. A mesma tônica prevaleceu na conversa profundamente cordial e proveitosa que tivemos com o ministro, também preocupado com o processo de criminalização dos políticos, que segue, no caudal dos acontecimentos, em marcha acelerada hoje no Brasil.
Berzoini lembrou que o quadro pode favorecer a emersão de lideranças personalistas no cenário nacional. Figuras que se aproveitam da desmoralização das instituições para reinarem absolutas sobre elas, seja com o apoio direto das massas, seja com uma articulação entre setores da mídia e do Judiciário. Na Itália, país que guarda muitas semelhanças com o Brasil, a operação mãos limpas, na década de 1990, demoliu os partidos tradicionais e levou ao poder o bilionário Silvio Berlusconi, magnata dos meios de comunicação. Ao cabo de duas décadas de conflitos institucionais e polêmicas públicas, o saldo da experiência não é dos mais animadores para a democracia e para a economia italiana.
A conversa avançou entre um aeroporto e outro já a caminho de casa. Novamente, concordamos que o centro da crise está na forma de financiamento das campanhas eleitorais, que impõe aos partidos uma relação de favores com estruturas empresariais poderosas. Estas, em troca de polpudas quantias, que nutrem campanhas cada dia mais caras, recebem benefícios que transformam a doação, mesmo que legal e escriturada, em mero investimento, abrindo as portas para a corrupção. Trata-se de uma ciranda, que gira em torno de governantes e parlamentares e os amarra ao mesmo sistema de privilégios que nos governa há séculos. Se não é justo generalizar, seria inocente suspeitar da eficácia de uma regra, cujas exceções apenas confirmam sua validade e o caráter suprapartidário que adquiriu.
Subindo a Serra, talvez inspirado pelo êxito da missão, que envolveu representantes dos três mais importantes partidos brasileiros, PT, PSDB e PMDB, me veio à mente, o que mais tarde me pareceria um sonho: a necessidade sentarem-se à mesa as mais influentes lideranças destes partidos. Por uma razão muito simples. O que está em jogo neste momento não é apenas o governo Dilma e os avanços sociais verificados nos últimos 12 anos a partir de Lula. Trata-se do legado de três décadas que se inicia com a redemocratização e a Constituição de 1988, agenda liderada pelo PMDB, seguida pela estabilidade da moeda, principal contribuição do PSDB ao processo de retomada de crescimento econômico. São conquistas do povo brasileiro, que avalizou com o voto a sua obtenção. Não faz sentido colocá-las em risco em função de uma disputa política prolongada, um terceiro turno não previsto no jogo eleitoral ou, o que é pior, em benefício de interesses externos, escusos e sombrios.
Ao chegar a Juiz de Fora, a reflexão, agora solitária, se completa a partir de uma indagação: e se não houver o entendimento desejado?Quando a radicalização não dá lugar ao diálogo e a hipocrisia à verdade, tudo é possível: da sucessão de crises à guerra civil, passando pela possibilidade de eleição de um Berlusconi à brasileira. Sem entendimento, só um fator nos salva do pior: a participação do povo em uníssono – e não de frações dele como temos visto até agora. Sua presença na cena política é um escudo contra a manipulação da opinião pública, o abuso de autoridade e a desfaçatez de alguns políticos e magistrados, elementos que têm injetado gasolina nos extintores. Por enquanto, a população observa de longe o incêndio que se alastra no Planalto Central do país. Parece inerte e alheia, mas em algum momento vai falar o que pensa. Quem sabe, quando o prazo para o entendimento se esgotar.