Rastros de uma outra Juiz de Fora: as memórias da Rua Braz Bernardino contadas por Christina Musse
Jornalista relembra momentos de sua infância na rua em que ficava a casa do seu avô e lamenta perda da identidade dessa época

A foto em preto e branco mostra uma Juiz de Fora que não existe mais. As casas antigas, parecidas umas com as outras, e a rua com apenas dois carros estacionados passam um ar de tranquilidade cada vez mais raro de se encontrar. A imagem está longe de parecer com as paisagens urbanas do centro de Juiz de Fora que conhecemos hoje, mas se trata da Rua Braz Bernardino, uma das mais movimentadas da cidade. O retrato foi tirado na década de 1950 e a jovem que posou para a foto era uma das moradoras daquele endereço, Margarida Assis, na época com 20 anos, mãe da jornalista e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Christina Musse.
“Quando eu olho essa foto, eu tenho poucas lembranças dessa Juiz de Fora com essas casas porque eu era criança, mas eu tenho uma lembrança imensa de uma rua que tinha árvores, que as casas tinham aqueles quintais imensos – com jardins muito bonitos, muito cuidados, e que me remetem a uma sensação até nostálgica, de uma infância muito feliz que eu pude ter, brincando com meus primos na casa do meu avô”, relembra Christina.
Ela conta que sua mãe tinha uma relação muito profunda com aquela região e, principalmente, com a casa, onde viveu uma experiência muito boa. Musse também destaca que o ritmo da vida era diferente. Era comum passear depois do almoço e ver as crianças brincarem nos jardins, por exemplo. Antes de Margarida falecer, com 83 anos, seus filhos fizeram um livro de lembranças com recortes de sua vida. A época em que morou na Rua Braz Bernardino ganha algumas páginas, onde ela diz que bastava fechar os olhos para ver tudo aquilo que viveu novamente.

Transformações na paisagem urbana
Com o passar do tempo e as transformações da própria rua, as casas da foto foram demolidas. “Inicialmente, viraram estacionamentos, como tudo que é demolido em Juiz de Fora, e, mais tarde, prédios foram erguidos no lugar.” Apesar de concordar que a cidade não pode ficar estagnada, que faz parte do processo de crescimento, a jornalista, que também é referência nas pesquisas sobre Cidade e Memória, acredita que alguns rastros desse passado devem permanecer. “Há coisas que são totalmente apagadas e só sobrevivem pelas fotos. No entanto, a mudança não quer dizer um apagamento do passado”, diz Musse ao citar a restauração da Vila Ceci e o casarão do colégio Central como exemplos positivos dessa conexão entre passado e futuro.
De acordo com a pesquisadora, existia uma mentalidade onde o velho tinha um sentido pejorativo, e a construção de prédios altos era vista como questão de progresso, o que contribuiu para a destruição dessas edificações que cederam espaço a uma nova dinâmica urbana. “Não teria como congelar a cidade. A memória é uma instituição viva que tem que mudar. Mas me entristece muito não perceber nenhum rastro do passado, nem uma árvore, nem um mural, uma parede, algo que remetesse a uma temporalidade que é contínua. Como as pessoas podem criar uma relação afetiva com aquele território se ele virou apenas um espaço de consumo?”, questiona a jornalista.
As memórias afetivas, contudo, resistem. O amor da mãe pela casa do avô, as histórias da sua infância e até mesmo os pequenos detalhes, como o “figo com presunto” servido nos almoços de família ou a receita “antiguissima de mousse de chocolate”, remetem a um tempo que molda sua percepção do mundo até hoje.