Projeto de Tarsila Palmieri reproduz ladrilhos hidráulicos de Juiz de Fora em peças do dia a dia
Projeto ‘Eu mandava ladrilhar’ provoca olhar para patrimônio a partir de revestimentos que estão no chão; lenços são as primeiras peças da coleção

A artista plástica e arquiteta Tarsila Palmieri tinha, desde pequena, paixão pelos ladrilhos hidráulicos que via pelo chão. Conforme cresceu e foi trabalhar na área, viu que ali também havia uma história importante sobre a cidade, contada a partir desses detalhes do patrimônio público. É justamente o exercício desse olhar que ela propõe com o projeto “Eu mandava ladrilhar”, que chama a atenção para esses revestimentos e os leva para outras peças, que podem ser usadas no dia a dia, tanto na área da moda quanto na do design. A série se inicia com uma coleção de lenços com ladrilhos de sete lugares diferentes, a maioria em Juiz de Fora, lançados propositalmente no mês de maio, quando a cidade de Juiz de Fora faz 175 anos. Além disso, também neste ano, a Galeria Pio X comemora seus 100 anos, onde se encontra a LeRô, loja que vende os produtos e que abraça essa proposta, proporcionando a abertura oficial da coleção e da série.
O projeto começou com os ladrilhos hidráulicos do Paço Municipal, Igreja da Glória, Capela de Santa Therezinha, Fórum da Cultura, Galeria Pio X e Vila Iracema. Além disso, ela também incluiu o revestimento da Estação Ferroviária de Cotegipe, em Simão Pereira, que tem um valor afetivo para ela, por ter feito parte do dossiê de tombamento da estação. Todos esses lugares foram vivenciados de perto pela artista, que costumava tirar foto dos seus pés nesses revestimentos. “Eu fotografava e registrava esses ladrilhos por onde eu ia, independentemente de serem de patrimônio ou não. Desde o ano passado estou pensando em como fazer acontecer. Comecei a fazer aquarelas desses ladrilhos, e desenvolvi um projeto que vai acontecer ao longo desse ano inteiro, e vou transmitir esses ladrilhos para sociedade, não só na coleção de lenços, mas também em decoração e imobiliário”, explica.
Para a produção, ela partiu de desenhos manuais em nanquim e pintados com a técnica de aquarela. A proposta é encerrar o projeto com uma exposição que vai apresentar, além dos produtos, as artes originais. “Eu trabalhava mais com utilitários e souvenirs. Esse ano, queria fazer essa virada, entrando no mundo da moda e da decoração. Essa escolha foi a partir desse desejo de entrar nesses outros mundos, que já fazem parte da minha formação como arquiteta e design. É um desejo de entrar em um mundo do qual já faço parte”, conta. Os ladrilhos foram escolhidos justamente por esse olhar que ela já tinha, e por acreditar que a “história está presente inclusive nos detalhes”.
Os ladrilhos hidráulicos foram revestimentos muito usuais na década de 1920, 30 e 40. No entanto, com o avanço da tecnologia, foram sendo substituídos, já que exigem um trabalho bem mais lento e não podem ser feitos em grande escala. “São ladrilhos que, diferentemente dos que estamos acostumados a ver, são mergulhados em água. Precisam da água para enrijecer o cimento, e são feitos de forma muito artesanal e manual, desde a forma de ferro que faz o desenho até a prensa manual e essa cura. É tudo lento e até hoje é feito dessa forma”, explica.
Por volta de 2010, esse revestimento deixou de ser tão usado. Apesar disso, ela conta que os arquitetos foram recuperando a técnica com um olhar de carinho, para trazer um ar mais retrô nos ambientes. É uma retomada com a qual ela também pretende colaborar. “Observo muito os detalhes da arquitetura, que na maioria das vezes estão nos pisos. (…) E da mesma forma que sempre observei, queria trazer o olhar das pessoas para esses detalhes, porque muitas vezes olhamos para o patrimônio apenas pela fachada. A fachada aparece em primeira vista, mas se observarmos os detalhes, tem muitas riquezas.”

Por onde se pisa
Prestar atenção onde se pisa, a partir dos ladrilhos, foi virando uma metáfora para ela. “Além de fazer com que as pessoas observem os detalhes, acho que o nosso chão representa firmeza, pé no chão para saber de onde está vindo. É pra observar não apenas a beleza, mas o significado que isso tem também como pessoas, de saberem onde estamos pisando”, diz. Para ela, foi também uma tentativa de dar atenção a esses detalhes e ir cada vez mais incorporando-os no dia a dia que decidiu fazer o “Eu mandava ladrilhar” durante um ano, com bastante calma. “Não queria que fosse algo passageiro. Quero que as pessoas fiquem ouvindo sobre os ladrilhos e esses patrimônios, criando a relação com esses desenhos para que de fato recordem e interiorizem esses ladrilhos. Comecem a entendê-los. Se não, fica algo frívolo”, reflete.
Para ela, esse projeto, além de trabalho, tem representado um prazer enorme. “Eu adoro pintar, e são todos feitos em aquarela. Ver os produtos prontos é uma satisfação gigante, ver como esses ladrilhos e esses grafismos funcionam em outras bases e também são belos.” Os lenços feitos e vendidos na loja LeRô, na Galeria Pio X, foram feitos nos tamanhos 64×64 e 120×120, podendo também ser usados com diferentes propósitos — ela explica que os menores costumam ser pendurados em roupas e no cabelo, enquanto os maiores podem ser mais versáteis, servindo para saias, compor blusas e até como xales.
Para perdurar
A invenção de novas peças a partir desses ladrilhos não era o único objetivo dela. O projeto, em um nível maior, significa reforçar essa ligação afetiva que as pessoas têm com várias partes da cidade. “Na moda, colocamos no corpo, nos vestimos com aquele patrimônio. As pessoas vestem Juiz de Fora.”
Para além disso, ela também espera poder fazer com que, nessas outras bases, as pessoas reconheçam esse trabalho sensível ao qual, muitas vezes, não dariam a devida atenção. “Quero fazer com que as pessoas passem a observar esses ladrilhos e queiram preservá-los para que eles perdurem. Os ladrilhos, estando em outras bases como os lenços, almofadas e tudo mais, se aproximam de pessoas que, talvez, não teriam esse olhar tão sensível para o chão. Sensibilizam para esses desenhos, com certeza, para valorizá-los”, finaliza.