Praticando a tolerância
BRUNO CARLOS MEDEIROS- JORNALISTA E ESCRITOR
Nada é capaz de despertar o medo dos políticos, segundo Ulysses Guimarães, exceto o povo nas ruas. Presidente da Assembleia Constituinte que concebeu a carta magna em vigor, foi ele o responsável por dedurar o calcanhar de Aquiles de seus pares – e a democracia ampara o direito de que nossos pontapés o atinjam de acordo com as insatisfações. A história é testemunha da força de nossos brados quando em uníssono, e, embora ciente de que gritos destoantes sempre encontram emissários, o ser humano, no desfrute de sua vaidade, reluta em admitir ideias que divirjam das suas.
O acirramento de tal intolerância tornou-se patente desde as últimas eleições. Coxinhas e petralhas, os reducionismos estúpidos do momento, pleiteam a prevalência de seus nem sempre honestos argumentos – muitos dos quais arquitetados dos gabinetes dos verdadeiros beneficiados pela barafunda. Ignoram-se lógicas e oculta-se o que se fez no verão passado, com o endosso de seus adeptos. Faz parte do jogo político camuflar as verdades comprometedoras, e é prudente que analisemos as premissas que nos vendem travestidas de silogismos. A razão – é mais crível – não pertence a ninguém.
A histeria em torno do
impeachment, contrariando o próprio PT enquanto oposição, tornou-se sinônimo, como tudo que o desabone, de um golpe a serviço da “elite branca”, aquela que rechaça a “ascensão de negros e pobres aos bancos de faculdade”. Tal alegação é fartamente disseminada nas redes sociais e em veículos de imprensa com pendores à esquerda. Um maniqueísmo dos mais virulentos, mas que em nada se distancia das armas disparadas pelo lado oposto, que, com as mãos sujas enrustidas por trás das costas, tenta delegar ao PT o monopólio da corrupção que assola o país, aquela que o bom senso – e ele ainda existe! – reconhece como radicada em nossa cultura. Tudo pela discórdia.
Defender o impedimento da chefe do Executivo é legítimo, embora evidencie o modo afoito com que lidamos com nossos problemas mais graves, combatidos com soluções que desprezam os estragos que vêm do entorno, cujo representante mais notório, nesta conjuntura, é o malfadado Congresso Nacional. É concebível, porém, que, no ápice de uma insatisfação, sejamos confrontados com reivindicações radicais ou anacrônicas. Portanto, é indispensável que passemos a reconhecer, naqueles de quem divergimos, cidadãos que, ainda que por meios diversos dos nossos, anseiam pelo mesmo resultado: o bem-estar de nossa nação. Pratiquemos a tolerância. “Política não se faz com ódio”, seguiria Ulysses. Conselho mais pertinente, impossível.