Zé das Flores: florista que ocupa o mesmo posto no Centro há quase 40 anos
José Abjald de Souza, de 71 anos, acompanhou mudanças em Juiz de Fora e se tornou ponto de referência na Avenida Rio Branco
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Zé das Flores ocupa o mesmo posto no Centro de Juiz de Fora há quase 40 anos. Ele resolveu ser florista em 1986, quando, depois de um período desempregado, foi trabalhar junto com um colega e gostou da área. “As flores fazem bem para a gente, para todo mundo”, conta ele. Enquanto conversamos, chega gente perguntando o preço das rosas, dos ramos de sempre-vivas e pedindo o cartão para poder fazer encomenda depois. Há quem também passe por lá só para puxar assunto: “Tá quente hoje, né, Zé?”, “Bão, meu amigo?”, “Sabe se o Cláudio tá por aí?”, “Gostei desse painel que fizeram atrás de você”.
Perguntas que ele responde quase monossilabicamente, para não atrapalhar o fluxo de gente passando pela calçada, mas sempre com uma feição alegre. Isso se repete dia após dia, das 8h às 18h, e no sábado das 8h às 13h. O trabalho que José Abjald de Souza começou há tantos anos não lhe deu só ganho financeiro – é desde então o seu principal sustento – mas também reconhecimento e rotina: duas coisas que valoriza bastante. E, por isso, não abre mão do seu lugar, mesmo em uma cidade que muda tanto.
Sentado no banco, José conta que começou o trabalho por acaso, sem imaginar que se dedicaria por tantos anos a essa atividade. Ele, que nasceu em Ubá, veio para Juiz de Fora com 15 anos e fez curso para trabalhar como técnico de estradas. Nesse tempo, chegou a trabalhar na Ferrovia do Aço, no Sul de Minas, que liga Itabirito a Barra Mansa.
Quando esse trabalho acabou, se mudou para aquele ponto da Avenida Rio Branco, próximo do número 1899, onde ia vendo o movimento enquanto oferecia as flores para quem passava. “É um trabalho gratificante, uma higiene mental. E é uma profissão mesmo que eu escolhi.” Se orgulha em dizer que tudo que conquistou foi por causa desse trabalho, com todas as dificuldades e desafios, tanto pela exposição diária quanto pela falta de garantia que um ambulante pode ter.
A profissão de florista, afinal, parece ter surgido há séculos, porque esse objeto sempre foi cultivado e valorizado em diferentes sociedades. Enquanto alguns associavam as plantas a divindades, outros acreditavam que tinham poderes curativos. Pode parecer esquisito pensar isso hoje em dia, mas mesmo atualmente as flores podem ter diferentes propósitos, como ele mesmo percebe. “As pessoas procuram flor para tudo: para festa, casamento, namorado, até para morte.” É por isso que também nunca lhe falta trabalho. “Dia Internacional da Mulher, por exemplo, é uma coisa de louco, dá até fila aqui. Quando precisa, em época de festa, a família toda vem dar uma força”, conta. No dia a dia, é só ele mesmo no carrinho de flores, mas quando podem, sua irmã e seu sobrinho também o ajudam.
Ele já até teve a oportunidade de ter uma loja tradicional, dessas com paredes e portas, para ser sua floricultura, mas não achou interessante. “Aqui não tem despesa com água, com luz, com empregada. E ainda tem o contato com as pessoas.” Com o passar dos anos, Zé das Flores precisou passar pelo processo de regularização da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), e hoje paga cerca de R$70 por mês para garantir a ocupação correta do espaço. “Graças a deus, com o que já ganhei e a aposentadoria, não precisava estar aqui. Mas vou fazer o que então?”, reflete.
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Ponto de referência
“É muita coisa, a rua. Muita coisa.” Zé das Flores repete essa frase, conhecendo bem o que esse “muita coisa” pode significar, já que seus olhos realmente vivenciaram um pouco de tudo que um Centro de uma cidade de mais de 500 mil habitantes pode oferecer. O lugar onde Zé das Flores comanda seu negócio se alterou completamente em alguns anos. “Era casa que tinha aqui do lado e foi derrubada, aqueles canteiros que não existiam, tinha uma clínica de criança e o Cine Excelsior ali, que dava bastante movimento para gente.” Fora as tantas lojas, pessoas e configurações de trânsito que também foram se alterando e fazendo com que o movimento das pessoas pelo Centro também fosse transformado.
Até sua própria vida, afinal, foi mudando: acompanhou todo o desenvolvimento do sobrinho estando lá, podendo participar da vida em família e trazendo ele para o trabalho de vez em quando. “O dia que não venho aqui sinto falta. Pretendo continuar enquanto estiver vivo, isso é uma terapia. Todo mundo me conhece, quando não venho perguntam o porquê.” E não por acaso, ele virou quase um ponto de referência no Centro, e quem quer se localizar usa dizer “perto do Zé das Flores” para identificar a altura da avenida.
A flor e a náusea
Aos 71 anos, ele não precisa buscar a resposta para o que faria, se não estivesse ali. Porque até pode ter resposta, mas ele não quer fazer outra coisa. “Eu já fui atacado por cachorro aqui. Mesmo tendo o ponto e pagando a taxa, às vezes chego e tem morador de rua deitado aqui. É complicado. Já teve gente que fez as necessidades aqui, mas tudo bem, eu encaro, tenho que limpar e continuar a trabalhar”, diz. Foi também por essa interação com as pessoas que ganhou, por iniciativa de lojistas, o mural com as flores desenhadas por Clarisse Hermont. “Valorizou meu espaço, foi um crescimento surpreendente.” Em um mundo no qual o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu “A flor e a náusea”, não dá pra negar: tudo muda quando nasce uma flor.
”Uma flor nasceu na rua!/ Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego/ Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia, rompe o asfalto./ Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/ garanto que uma flor nasceu”, escreveu o poeta mineiro. Zé também já recebeu poemas que falavam dele e homenagens de todo tipo. Apesar de Juiz de Fora não ter parado para esperá-lo “brotar” naquela calçada, tem gente que para ali quando percebe que ele não está lá, por algum motivo – coisa que só acontece aos domingos, quando descansa, e raramente, quando tem algum problema ou tira férias. Mesmo os passos mais mecânicos também são afetados por ele. Agora sua presença já marca o espaço, se incorporou ao ritmo, muda os dias de quem passa por ele ou recebe uma de suas flores.