Conheça o piabanha, peixe de água doce que nomeia projeto ambiental nascido no Noroeste Fluminense
Projeto busca resgatar espécies ameaçadas de extinção no Rio Paraíba do Sul; Iniciativa pretende expandir para águas mineiras em 2025
Na parte baixa do Rio Paraíba do Sul, em Itaocara, no Noroeste Fluminense, a cerca de 200 quilômetros de Juiz de Fora, pulsa vida. É ali que, desde 1998, o Projeto Piabanha trabalha para resgatar espécies nativas de peixes ameaçados de extinção. Com sede concedida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro), a iniciativa se tornou um importante símbolo de preservação da biodiversidade.
Guilherme Souza é biólogo, diretor técnico e idealizador do projeto. O especialista conta, em entrevista à Tribuna, que esse desejo surgiu quando ele ainda trabalhava em uma estação de peixes para abate. “Meu antigo trabalho já não me interessava mais, e meu ex-patrão sempre falava do piabanha. Aquilo acabou despertando minha curiosidade”, recorda. “É um peixe com um comportamento curioso, basta a isca tocar o anzol, nem precisa bater na água, que ele já salta para fisgar.”
Assim, foi em 1998 que, junto a um grupo de pescadores de anzol da região, surgiu a ideia de criar a Associação de Pescadores e Amigos do Rio Paraíba do Sul. A proposta era formar uma entidade jurídica com a missão de fortalecer a população de piabanha em seu habitat. Ainda naquele ano, a primeira expedição de campo foi realizada para capturar os reprodutores da espécie e dar início ao processo de reprodução em cativeiro. Todo o trabalho foi desenvolvido no laboratório de produção de Guilherme.
Com a chegada dos anos 2000, o biólogo sentiu a necessidade de retornar à universidade para agregar ao projeto mais conhecimento científico. Ele engatou no mestrado e levou o piabanha para seu projeto. Nesse período, com a ajuda do corpo docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), que é parceira até hoje, a reprodução de piabanha escalonou.
Piracema e sustentabilidade na pesca
O rio Paraíba do Sul resulta da confluência dos rios Paraibuna e Paraitinga, que nascem no estado de São Paulo e seus cursos d’água percorrem a região de Minas Gerais até desaguar no Oceano Atlântico, em São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. O especialista comenta que a região que percorre o Rio de Janeiro possui cerca de 200 quilômetros de Rio Paraíba livre de barragens, diferente da parte que percorre Minas.
A aparição dessas barragens, que fragmentam o rio, torna desfavorável o fenômeno da piracema. “Neste processo, os peixes sobem o rio durante a cheia, enfrentando o esforço físico de nadar contra a correnteza. Com isso, eles produzem hormônios que estimulam a liberação dos óvulos. Em um momento específico, o cardume libera os óvulos e os espermatozóides, ocorrendo a fecundação na água. Os ovos, então, descem a correnteza, onde o embrião se desenvolve. Posteriormente, eles seguem para áreas mais calmas, os berçários, onde continuam seu desenvolvimento. Esse é o sucesso reprodutivo dos peixes”, explica. Portanto, essas espécies migradoras tendem a desaparecer quando há uma cisão nas águas que não possibilitam o deslocamento dos peixes.
A área onde está localizada a sede do projeto é favorável à reprodução dos peixes. Além disso, a região também se destaca como um bom local para a pesca, especialmente a pesca artesanal, que é bastante expressiva. O pesquisador ressalta que um dos trabalhos do projeto também é garantir a harmonia entre a reprodução dos peixes e a pesca local. “Existem diversas regras que devem ser seguidas para que a pesca seja realizada de forma integrada com as atividades do projeto. Temos uma cartilha que reúne todas essas diretrizes, permitindo que ambas as práticas possam coexistir”.
Crescimento da população de piabanha
O Brasil foi um dos países signatários da ECO 92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O biólogo explica que, após esse evento, o país passou a ser responsável por elaborar uma lista de animais em risco de extinção, com o objetivo de estudar e monitorar essas espécies. O piabanha é uma das espécies listadas.
A cada dois anos, a lista é revisada, e, segundo Guilherme, tudo indica que, na próxima revisão, o piabanha será reclassificado da categoria “Em perigo” para “Vulnerável”, de menor risco. Essa mudança representa uma conquista significativa para a conservação da espécie.
A bióloga e bolsista de extensão pela UENF, Karlla Queiroz, conheceu o Projeto Piabanha desde quando estava cursando a graduação em Ciências Biológicas. No entanto, ela começou a integrar a equipe oficialmente há 11 meses. Ela ressalta a satisfação de participar da iniciativa.
“Faço parte da equipe técnica, acompanhando o trabalho de manutenção do Banco Genético Vivo. Como bolsista, minha principal função é atuar na educação ambiental, promovendo o conhecimento sobre a importância da conservação dos rios e das espécies nativas de peixes.” Ela complementa: “Esse trabalho é crucial, e se torna ainda mais significativo quando conseguimos ver os resultados dos nossos esforços.”
Ano novo, projeto novo
Para 2025, o diretor técnico compartilha que o projeto expandirá para águas mineiras. O objetivo é estabelecer duas populações de espécies ameaçadas, o piabanha e o surubim paraíba do sul, na região de Além Paraíba, município de Minas, até a cidade de Três Rios, no estado do Rio de Janeiro.
Outro plano é realizar um trabalho no Rio Pomba, mais especificamente no município de Santo Antônio de Pádua-RJ, onde o surubim já não é mais encontrado. Esse projeto será patrocinado pela empresa Café Garoto, por meio do Instituto do Meio Ambiente (INEA), e espera resultados positivos assim como no Noroeste Fluminense.
*estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli