Instituições consolidadas
“O plano de golpe de Estado que estarreceu a Nação não vingou porque as nossas instituições políticas estão consolidadas e tornaram-se resilientes”
O plano de golpe de Estado que estarreceu a Nação não vingou porque as nossas instituições políticas estão consolidadas e tornaram-se resilientes a movimentos dessa natureza. Percebe-se, ademais, que se vai formando entre nós, a despeito da crescente polarização política, uma consciência coletiva de que é fundamental para o país preservar o Estado Democrático de Direito. No passado, isso não ocorria. Em 1964, havia um sentimento geral de que a ruptura constitucional era iminente, em consequência de um movimento insurrecional, partisse esse do governo Goulart ou das forças que lhe eram contrárias. Estas se articulavam desde o início do ano e se fortaleciam à medida que crescia o clima de agitação social, num cenário mundial de Guerra Fria, em que o temor da influência cubana dominava o continente. Dizia-se, então, que grupos de esquerda induziam o governo a romper com as amarras constitucionais, a pretexto de implantar as apregoadas reformas de base, que haveriam de vir na lei ou na marra, segundo expressão de um dos seus líderes. Aliás, em livro que acaba de sair, o embaixador Marcílio Marques Moreira revela confidência ouvida de San Tiago Dantas, figura preeminente da situação política, mas de feitio moderado e enorme clarividência, segundo a qual “a “esquerda negativa” (turma do Brizola) tramava um golpe, possivelmente partindo de militares do III Exército, no Rio Grande do Sul.” (“O Social como Elixir”, pp. 111/112). O eminente jurista e ex-Ministro de Jango manifestava, então, preocupação com os rumos dos acontecimentos, sobretudo depois do famoso comício de 31 de março, quando o presidente pareceu dar as costas às instituições. Esse quadro conturbado resultou, como se sabe, na queda de Goulart e na implantação de um regime militar que durou vinte e um anos. Evidentemente, a ruptura constitucional não foi benéfica ao país. Supunha-se que as lições deixadas por essa experiência houvessem sido aprendidas, em vez de alimentar reprises caricaturais como a de agora.
Na verdade, não há precedentes, em nossa história, de movimento tão ousado e, ao mesmo tempo, tão quixotesco e primário. Ainda assim, contudo, ele representou um risco para as instituições e a prova disso se evidenciou no episódio de 8 de janeiro de 2023, que teria sido apenas um dos capítulos da história. Devem as instituições reagir com rigor a tão grave ameaça. Mas, é de esperar que o façam segundo o devido processo legal. O relator do processo, no Supremo Tribunal Federal, não pode inspirar-se na personagem shakespeariana de “O Mercador de Veneza”, que assumiu a posição do juiz e agiu, ao mesmo tempo, como magistrado, patrono de uma das partes e verdugo da outra, o ambicioso e extravagante credor.
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