Um cinema plural e em transição


Por MARISA LOURES

30/01/2015 às 07h00

No encerramento, será exibido o filme mineiro

No encerramento, será exibido o filme mineiro “Ela volta na quinta”, de André Novais Oliveira

Em discurso na abertura da 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o novo secretário de Estado da Cultura, Ângelo Oswaldo, demonstrou otimismo em relação ao futuro da sétima arte em Minas Gerais. “Este é o ano do centenário de um grande nome mineiro do cinema, Grande Otelo, nascido em Uberlândia. Minas foi berço do cinema brasileiro, com Francisco de Almeida Fleming e Humberto Mauro. Queremos um 2015 de salto qualitativo no cinema em Minas”, disparou ele na última sexta-feira. Entretanto, o fato de a prata da casa não estar entre as produções da Mostra Aurora, a mais importante entre as competitivas do festival, acaba deixando aceso o sinal de alerta de muitos críticos de plantão. Sempre tão diverso, conforme apontam seus simpatizantes, o cinema das Minas Gerais não deveria estar na disputa pelo prêmio Itamaraty? Convidada do evento, a Tribuna trouxe para a discussão dois cineastas com bagagens distintas. André Amparo, na estrada desde 1992, e Júlio Cruz, jovem que dirige seu primeiro curta-metragem.

“Este ano houve somente dez inscrições de longas mineiros, quatro entraram em diferentes mostras, como Praça, Transições e a sessão de encerramento. Já na Aurora, para filmes inéditos de diretores até três longas, não havia candidatos fortes. Essa não era uma safra positiva para a produção mineira em longas. Talvez os principais diretores estejam ainda finalizando, produzindo ou prestes a produzir seus novos filmes. Acontece de tempos em tempos”, avalia o curador do festival, Cleber Eduardo, afirmando ainda não acreditar que se trata de um reflexo da qualidade dos trabalhos no estado. “Não vejo como sinal de crise ou razão de preocupação.” Quanto aos critérios de seleção, o também curador de cinema afirma que eles são estéticos, temáticos e históricos. “Nos importam filmes inventivos, com alguma capacidade de mobilização crítica.” De acordo com o regulamento, a proposta da Aurora é ampliar a discussão e a visibilidade em torno de filmes independentes, evidenciar o trabalho de novos realizadores e refletir sobre as características das novidades no cinema brasileiro contemporâneo.

Ausência que não causa preocupação

Diretor de “Max Uber”, curta-metragem exibido dia 24 de janeiro na Mostra Cena Mineira, André Amparo não se preocupa com a ausência de sua terra nessa competição, e ele fala com a experiência de quem está na labuta há mais de duas décadas. “É uma questão de gosto e de linha curatorial. Há festivais que preferem trabalhos que têm um ritmo mais rápido, outros preferem simplesmente uma câmera e um tripé esperando um trem passar. Todo evento de artes visuais é desse jeito, mas, para quem realiza, isso não é um padrão de referência. A produção de Minas Gerais está gigantesca, tem trabalhos muito interessantes”, opina ele, traçando um panorama do que tem sido feito pelos quatros cantos do estado. “Tem o pessoal da animação começando, tem documentário. O que mudou é que tem mais gente fazendo. Além de haver os projetos do Governo federal, o pessoal está produzindo com os próprios recursos, o que eu acho superbacana. Está muito mais fácil produzir. Não precisa ter dinheiro, e as pessoas estão se arriscando mais.”

Já veterano em eventos do gênero, como o Festival do Cinema Brasileiro de Paris (França, 2005), World Wide Vídeo Festival (Holanda, 2004), Festival do Rio (2004), Festival de Curtas de São Paulo (2004), Festival de Curtas do Rio de Janeiro (2004), Mostra Internacional de Vídeo de Seul (Coréia do Sul, 2004), além de membro fundador do Coletivo Audiovisual FAQ Feitoamãos, André garante que nosso cinema tem tido boa repercussão no mundo. “Tem muito filme participando de festivais internacionais, mas não é muito divulgado. A tendência é aumentar. É preciso parar de achar que curta é um exercício para, um dia, quem sabe, fazer um longa. Não existe nada disso. Essa é só mais uma forma de expressão que pede um resultado diferente”, sentencia ele, cujo currículo apresenta a co-direção do longa-metragem “Grupo Galpão 20 anos de teatro”, um projeto da Memória Petrobras.

Uma arte levada a sério

Há quem acredite que o cinema mineiro vive um momento de transição. Júlio Cruz, um jovem de 23 anos que, em 2012, teve a responsabilidade de estar entre os que escolheram o melhor filme da Mostra Aurora e este ano volta ao evento como diretor de “José Baleia”, é um dos nomes que endossam essa visão. “Acho que é uma fase de mudança de uma total imaturidade para um cinema que começa a se profissionalizar, a se levar a sério. Grande parte das produtoras de Belo Horizonte surgiram meio que na brincadeira e agora chegaram ao ponto que estão”, ressalta ele, referindo-se à posição ocupada pela capital mineira no ranking da produção cinematográfica do país: terceiro lugar, atrás de São Paulo e do Rio de Janeiro. Segundo levantamento feito pela revista “Veja”, Minas Gerais tem mais de 300 produtoras em atividade. “Vários curta-metragistas que participaram da Mostra de Cinema no ano passado estão aqui agora preparando seus próprios longas e com propostas estéticas muito interessantes.”

Na opinião do jovem cineasta, mesmo Minas Gerais não estando na Aurora, o estado está fazendo bonito no festival. Das 128 produções em cartaz nesta temporada, 25 são mineiras, sendo sete longas e 18 curtas-metragens. “Não tivemos longa na Aurora, mas temos o filme do André Novais (“Ela volta na quinta”) no encerramento e um ou dois representantes na Mostra Transições, que não é competitiva, mas que tem cineastas com ideias bastante coesas. O fato de o filme do André ser apresentado no encerramento pode ser visto como um atestado de potência do próprio cineasta. Desde o seu primeiro curta, ele já tem uma ideia do que seria seu cinema. Seus traços autorais estão lá muito marcantes”, opina Júlio, para logo enfatizar que a principal marca do nosso cinema é possuir uma pluralidade estética nas produções. Sobre a recepção dos trabalhos junto ao público, ele diz que não poderia estar melhor. O problema, segundo ele, esbarra no pouco apoio por parte do Poder Público. “Muitos projetos ficam de fora do fomento estadual de cultura não por falta de qualidade, mas porque não tem mais dinheiro para ser investido. Tirando isso, estamos no patamar do cinema de Recife. Os cineastas estão com propostas bastante ricas e com uma circulação muito forte.”

Nesta sexta-feira, entre os filmes da Mostra Aurora, está a produção cearense “Medo do escuro”, de Ivo Lopes Araújo. O filme, lançado mundialmente no evento, traz a história de um homem solitário que vaga perdido por uma cidade pós-apocalíptica. A sessão está marcada para as 22h, no Cine-Tenda. A lista de pré-estreia também leva para o mesmo local “Casa grande” (RJ), de Felipe Gamarano Barbosa; “Ressurgentes: um filme de ação ;, e “Sessão bendita” (RJ), dirigido por Paula Gáitan. A programação completa está em http://www.mostratiradentes.com.br.

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