Atriz juiz-forana Pri Helena participa de ‘Ainda estou aqui’, de Walter Salles
Pri Helena esteve na estreia do filme em Veneza, quando a equipe foi ovacionada pelo público
A atriz juiz-forana Pri Helena participa do filme “Ainda estou aqui“, do cineasta Walter Salles, uma das obras cinematográficas mais aguardadas do ano pelo público brasileiro. Ela esteve na estreia internacional do longa, no 81º Festival de Cinema de Veneza, no último dia 2, quando a equipe foi aplaudida por dez minutos após a exibição.
“Ainda estou aqui” conta uma história que, como explica Pri Helena, “é atravessada pela ditadura militar brasileira”, se voltando para Eunice Paiva e o que acontece com sua vida após o luto. Com a estreia no Brasil ainda indefinida, a atriz já considera a produção como definidora em sua vida, tanto pela repercussão positiva que o filme está conquistando, quanto pela dimensão da mesma e pelas portas que se abriram para ela desde então. Ela irá estrear, ainda este mês, a novela global “Volta por cima”, das 19h, e também faz parte do elenco da segunda temporada de “Os Outros”. Para isso, precisou acreditar no seu potencial artístico e contar com pessoas ao seu lado que também queriam que esse sonho fosse possível.
“Ainda estou aqui” é uma adaptação da obra homônima do escritor Marcelo Rubens Paiva, lançada em 2015 pela Companhia das Letras, e conta com Fernanda Torres no papel principal, além de Selton Mello e Fernanda Montenegro no elenco. Apesar de já ter feito outras produções audiovisuais e teatrais, essa é a primeira desse porte, responsável por inserir Pri Helena nesse circuito profissional.
O que mais chamou a atenção da atriz foi a forma que o filme abordou um assunto tão importante: “É uma história de uma mulher que ficou sozinha com cinco filhos e teve sua casa invadida por esse estado absurdo que vivemos [durante a ditadura]. (…) E ela usou tudo isso em prol de lutas por direitos humanos”. Na trama, sua personagem se chama Maria José, a “Zezé”, e é empregada da casa em que Eunice mora.
A personagem é baseada em uma pessoa real, que era o braço direito de Eunice naquele momento. “Pra mim, ela é a representação das classes mais pobres e, mesmo que indiretamente, essa situação atravessou a vida dessa mulher, já que a corda também sempre acaba arrebentando no lado mais fraco”, diz Pri Helena. Além da personagem que faz, a produção como um todo foi muito significativa para a atriz. “Quando vi o filme na tela, ainda não tinha assistido nada antes, nem o trailer. Cheguei totalmente no escuro, mas sabendo que seria um grande trabalho, porque estamos falando de Walter Salles e de um filme protagonizado por Fernanda Torres.” Neste processo, uma das coisas de que mais gostou foi ter podido participar de todas as etapas de construção, dos ensaios e da preparação até ver o resultado. “Percebi como é potente unir forças de uma galera que acredita muito no que está fazendo e que se empenha muito no que quer fazer. Foi emocionante demais, inesquecível. Foi a noite mais emocionante da minha vida, nunca vivi nada parecido com isso”, revela.
A emoção foi tanta que, como conta, ainda não deu para parar de chorar. “Tô num chororô desde que pisei em Veneza”, ri. O filme teve uma recepção muito boa entre o público, ampliando esse efeito para mais pessoas. “O filme foi ovacionado durante 10 minutos, foram aplausos e aplausos e aplausos. E a equipe toda muito emocionada, porque é muito trabalho, e fazer um trabalho no qual você acredita tanto é muito emocionante”, diz.
A partir de ‘Ainda estou aqui’
Desde que gravou “Ainda estou aqui”, em 2023, outras oportunidades apareceram para Pri Helena. Na segunda temporada de “Os Outros”, série da Globoplay que também tem a atriz juiz-forana Kênia Bárbara, ela interpreta Beatriz, que faz parte do núcleo criado pela personagem da atriz Letícia Colin. No dia 30 de setembro, estreia na novela “Volta por cima” da Globo. “É uma novela que, particularmente falando, me é muito cara. O elenco é majoritariamente preto, e é uma novela muito popular”, conta. O projeto, escrito por Claudia Souto, busca estar próximo da realidade dos brasileiros e, na opinião de Pri Helena, parece “um cinema dentro da televisão”.
Sua personagem é Cacá, a capanga de um dos bicheiros mais poderosos do Rio de Janeiro, e que fala para mãe e para os amigos que é cuidadora de idosos. “A autora Claudia Souto traz uma personagem muito ambígua, que tem muitas camadas. Ela tem uma relação linda com a mãe, por exemplo. Ela é uma personagem que, pra mim, nesse processo de criação, vai quebrando vários preconceitos que tenho com algumas figuras, tirando coisas da caixinha e mostrando como o ser humano pode ser amplo.”
Desafios em JF
Apesar dos trabalhos de destaque que vieram no último ano, Pri Helena revela que a sua carreira passou por vários percalços e, como moradora de Juiz de Fora, viveu dificuldades, como a falta de oportunidades, valorização e incentivo público. “É lutar para a sobrevivência, para fazer parte de qualquer tipo de arte no Brasil. Temos um órgão de cultura que não joga muito com os artistas e que acredita muito pouco. Quando você vem de fora, parece que você tem mais valor em Juiz de Fora do que quando você está dentro da cidade”, analisa a atriz, que já participou de várias companhias de teatro locais. A definição do processo, em sua visão, foi uma experiência de “resistir e reexistir”.
Também foi na cidade que teve a certeza de que queria e iria se tornar atriz – apesar de ser algo que já desejava desde criança, quando reproduzia cenas na frente do espelho. Foi num festival de teatro local, que deixou de existir anos depois, que ela viu a peça “O Triciclo” e percebeu algo sobre si. “Eu estava na plateia, com uns 15/16 anos, e olhei para os atores e pensei: ‘é isso que eu quero pra minha vida mesmo. Não tem como isso dar errado, porque é isso que eu quero’. E continuo falando isso hoje em dia porque é a única coisa que sei fazer na vida. Foi uma virada de chave. Vi que minha vida estava ali, que o teatro é a minha casa”, conta.
Buscando trilhar esse caminho, foi para o Rio de Janeiro, em 2017, estudar na Escola de Teatro Martins Penna e também passou pela Casa das Artes de Laranjeira (Cal). Foi assim que começou a escrever e dirigir os próprios trabalhos. Na cidade, ela é uma das fundadoras do Grilla, coletivo idealizado por mulheres, que traz experiência em um diálogo entre o teatro e o audiovisual. Através dele, um das produtoras de elenco que estavam trabalhando com Walter Salles a viu pela primeira vez e tornou possível participar do projeto que mudaria sua vida.
‘Quero ser uma atriz que consegue tocar pessoas’, diz Pri Helena
Para ela, neste momento de tantas realizações pessoais, o sonho é poder continuar. “Quero ter uma carreira contínua, que tudo isso que está acontecendo seja um caminho de outras portas abertas, porque eu não quero parar de atuar nunca. Eu sou muito feliz trabalhando na minha profissão.” Para ela, o sucesso não está relacionado com a fama, mas com a possibilidade de ser uma atriz que consegue tocar as pessoas. “Quero que meu trabalho consiga atravessar as pessoas”, diz. Como destaca, para conseguir isso, dos seus 11 anos até o momento, com 32 , foi preciso o apoio de outras pessoas. “Toda essa trajetória foi percorrida ao lado de muitas outras pessoas. Isso é uma das coisas mais ricas. A gente não consegue chegar em lugar nenhum sozinho, a gente precisa dessas redes de apoio. Enquanto estou aqui vivendo tudo isso, tem gente em Juiz de Fora cuidando dos meus cachorros, tenho amigas, minha mãe, minha avó e o coletivo me apoiando.”