Frio no coração

“É preciso coragem para romper a indiferença, para se importar de verdade, para oferecer e aceitar calor em um mundo cada vez mais gélido”. Na coluna desta semana, Marcos Araújo reflete sobre os dias de frio e a falta de calor humano

Por Marcos Araújo

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Se nos pés é possível colocar meias e nas mãos, luvas. Quanto ao frio que congela os relacionamentos e transforma o calor humano em uma lembrança distante, o que podemos fazer? (Foto: Pixabay)

Nos últimos dias, o frio se fez presente com sua força total. Era olhar pela janela e ver as manhãs brancas envoltas em névoa e sentir o vento cortante no rosto. A cidade mais parecia cenário de filme em preto e branco. Nas ruas quase desertas, o silêncio era interrompido pelo som de folhas secas rolando pelo asfalto, como se elas próprias também estivessem fugindo do frio. 

Há quem concentre o frio no pé. Eu sou uma dessas pessoas. Nesta hora, uma boa meia, quem sabe até duas, pode ser a solução, e o desconforto desaparece. Mas o frio que aperta o coração? Este é uma outra história, pois não se acaba com tecidos grossos ou camadas extras de roupa. O frio no coração é obstinado, persistente, e parece se intensificar à medida que a friaca avança. Não há blusa de lã ou cobertor capaz de aquecer a alma quando o calor humano se esvai.

Este texto de hoje, que cai como luva para dias frios, é também de reflexão sobre o tempo no qual estamos vivendo. Há um inverno que se prolonga não apenas no calendário, mas nos corações das pessoas. As atribulações do dia a dia, as telas que nos separam e distraem, as vidas caprichosamente filtradas e postadas em redes sociais criam uma ilusão e fazem parecer que estamos até mesmo todos conectados. Porém, a verdade é que estamos cada vez mais distantes. 

As pessoas se esbarram nas esquinas, ensaiam até olhares rápidos, mas evitam o contato mais profundo. Existe um temor para qualquer demonstração de humanidade, de gentileza, é como se existisse uma barreira que, caso ultrapassada,  nos fizesse nos perder de uma vaidade construída pela indiferença e que parece ser tendência nos dias atuais. 

Quando eu era mais novo, o inverno era uma época de proximidade. As famílias se reuniam à mesa, havia sempre um bom prato de sopa, as conversas fluíam, e o calor humano era a principal defesa contra o frio. Hoje, porém, cada um se tranca em sua própria bolha, ocupados demais para notar o quanto todos estão, de fato, sozinhos. O calor do afeto, do abraço apertado, da palavra amiga se tornaram raridade, quase uma extravagância.

Se nos pés é possível colocar meias e nas mãos, luvas. Quanto ao frio que congela os relacionamentos e transforma o calor humano em uma lembrança distante, o que podemos fazer? Esse exige mais do que um simples acessório. É preciso coragem para romper a indiferença, para se importar de verdade, para oferecer e aceitar calor em um mundo cada vez mais gélido. Assim, além dos corpos, deixaremos nossos corações aquecidos. 

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Marcos Araújo

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