Combate ao racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário

Recentemente foi veiculado nos mais diversos meios de comunicação que uma condômina foi dispensada de pagar danos morais por ter reagido a ofensa racista que sofreu.

Por Simone Porcaro

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Foto: Freepik

No ano de 2022 uma Vara Cível da Comarca de Santo Amaro/SP condenou uma condômina a pagar indenização de 9 mil reais por ter ofendido a síndica e o subsíndico do prédio em que reside.

A condômina recorreu da decisão desfavorável e a 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo acatou seu pedido de modificação da sentença. Em suas razões, o Desembargador relator concluiu que o Juiz de 1º grau, ao sentenciar, ignorou uma valiosa informação contida no processo: a condômina reagiu ao fato de ter sofrido racismo, pois foi chamada de “macaca” pela síndica e subsíndico!

Por essa razão, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que houve o que chamamos de “culpa concorrente”, ou seja, a síndica e o subsíndico contribuíram para a situação de descontrole da moradora, e por essa razão a condômina ficou isenta de pagar qualquer quantia a título de indenização.

Na decisão, o Desembargador ainda criticou a postura de desprezo do Juiz de 1º grau em relação à acusação de racismo e fez constar que:

“Simplesmente se ignora tal questão, parecendo ser algo sem importância. E o que é pior: talvez realmente para alguns seja uma questão sem importância.”

Esse fato nos leva à reflexão da existência do racismo estrutural e as comuns, porém desprezíveis, banalizações desse comportamento que está historicamente arraigado na nossa sociedade.

A situação narrada acima nos leva a uma reflexão: porque o Juiz que sentenciou aquele processo ignorou o fato da condômina ter reagido após sofrer insulto racista? É possível considerar aceitável que alguém, em razão da sua cor, seja tão gravemente insultada?

Infelizmente essa e outras tantas decisões escancaram o racismo estrutural existente também no âmbito do Poder Judiciário, que muitas vezes acaba por chancelar e perpetuar essa violência.

E visando combater o racismo estrutural existente no âmbito do Poder Judiciário, no ano de 2022 o Conselho Nacional de Justiça lançou o “Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial”, selando o compromisso entre os tribunais brasileiros para cumprir normas e jurisprudência pela igualdade racial.

Também no ano de 2023 o CNJ editou a Resolução 490 de 08/03/2023, instituindo o Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial (Fonaer), destinado a elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento do sistema judicial quanto ao tema.

É aguardado para este ano de 2024 a apresentação pelo Conselho Nacional de Justiça de uma normativa orientadora para o combate ao racismo estrutural na Justiça.

E é só assim, com adoção de programas, projetos e iniciativas, com incansável debate de especialistas, acadêmicos, entidades e órgãos públicos que trabalham com a questão de raça e justiça, que será possível combater, corrigir e eliminar o racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário.

Decisões como a do Tribunal de Justiça de São Paulo são apenas um pequeno passo de uma longa caminhada que ainda temos a percorrer, mas representam uma grande vitória para aqueles que há tantos séculos sofrem com a trágica herança que a escravidão deixou no Brasil.

E fica a reflexão: ninguém nasce sabendo odiar ou amar, ambos são sentimentos ensinados e construídos. A partir dessa premissa, cabe a cada um de nós semear amor, e não ódio, para cultivar um mundo mais igual e justo.

Fico por aqui. Até a próxima.

Simone Porcaro

Simone Porcaro

Advogada há 31 anos atuando em Juiz de Fora e em vários Estados da Federação nas áreas do Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito de Família, Direito Público entre outras. Filósofa formada pela UFJF. Participo do quadro "Em dia com a lei" a muitos anos, inicialmente transmitido pela Rádio Solar e atualmente pela rádio transamérica.

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