Exposição ao calor extremo obriga trabalhadores e empregadores a reverem cuidados
Indivíduos que trabalham com obras, limpando as ruas, distribuindo panfletos e outras atividades relatam à Tribuna como o dia a dia é afetado pelas condições climáticas de exceção
Janeiro de 2024 foi o mês mais quente já registrado, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus. Esse mesmo órgão aponta que, considerando o El Niño e o aumento das médias de temperatura nos últimos meses, esse é o oitavo mês consecutivo de recorde de altas temperaturas. Nesse contexto e diante das ondas de calor que estão acometendo Juiz de Fora e todo o Brasil, no entanto, há trabalhadores que sentem mais diretamente as consequências daquilo que os dados apontam. Com a rotina já incluindo uma exposição elevada e direta ao sol, os danos são a curto e longo prazo, levando a insolação, queimaduras, ressecamentos e desidratação. Indivíduos que trabalham com obras, limpando as ruas, distribuindo panfletos e outras atividades do tipo relatam à Tribuna como o dia a dia é afetado pelas condições climáticas de exceção, levando em conta a ausência de legislação e de preparo para lidar com essas situações cada vez mais comuns.
Apesar de já trabalhar há anos como limpadora de ruas no Demlurb, para A. B., de 36 anos, as situações de anormalidade das temperaturas exigem adaptações. “Os dias de calor ficam insuportáveis. O astral vai lá embaixo e já tive que parar por sentir que ia passar mal”, conta. Para ela, a jornada de trabalho, que inclui a varrição de ruas, o transporte e o depósito de lixo, se torna exaustiva, já que cada passo sob o calor fica bem mais cansativo do que em temperaturas amenas. “A sensação é de que o trabalho dobra”, conta. Apesar de usar protetor solar e blusa térmica, para ela, é desafiador conseguir completar essa rotina nos momentos de pico de temperatura, próximos do meio-dia, e ainda se hidratar corretamente, levando em conta que há poucos banheiros próximos de seu ponto de trabalho – o que implicaria ter que se deslocar ainda mais para conseguir terminar o trabalho necessário.
Da mesma forma, A.P., de 46 anos, conta que o seu trabalho como ajudante de obra na construção civil é alterado por dias que ultrapassam os 35 graus e chegam a ter sensação térmica perto dos 40 graus. “O esforço físico vai ficando mais difícil, a gente sua mais e até pra comer aqui, quase debaixo do sol, fica mais complicado, né?”, reflete. Em seu trabalho, em uma obra com cerca de 15 outras pessoas, ele tem acesso a protetor solar, água e pode fazer pausas, mas isso não impede que o trabalho fique prejudicado. “O ritmo muda e tem gente que fica com medo de passar mal, de ter alguma complicação de saúde”, diz. Da mesma forma que em momentos de tempestade o trabalho precisa ser interrompido, para ele, é preciso também ao menos repensar o que fazer nesses dias ou ao menos nos horários em que a incidência do sol mais forte atinge os trabalhadores.
Em entrevista anterior à Tribuna, Aurélio Marangon, do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Juiz de Fora (Sinduscon-JF), explicou que essa queda de produtividade acontece especialmente quando as obras estão nas fases iniciais, devido à exposição direta ao sol por parte dos trabalhadores.
Trabalhando em canteiros da cidade na capinagem, E.P., de 41 anos, e F.M., de 48 anos, afirmam que o uso de roupas adequadas e de óculos ajudam nos trabalhos nesses dias, e o que faz mais diferença é a ingestão contínua de água. Para eles, é difícil imaginar que algo da rotina poderia mudar devido às altas temperaturas, porque poderia afetar prazos e o cumprimento de obrigações, e poderia ser necessário contratar equipes maiores. No entanto, para o mais velho, que também trabalha há mais tempo na área, é possível notar que nos últimos anos a situação ficou mais complexa. Ele mesmo já notou a dificuldade de hidratação e como a pele passou a ser afetada pela exposição prolongada ao sol, mesmo com os cuidados: “Eu não lembro de sentir calor dessa forma. Já vi gente, sim, nessa situação de ficar mal durante o trabalho por isso”.
Sinais preocupantes causados pelo calor
As normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho já prevêm a situação de trabalho exposto ao calor, como explica Thiago Senra, engenheiro de segurança do trabalho da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Uma delas, a NR 211, trata especificamente de oferecer equipamentos adequados para que o trabalhador possa se adaptar a diferentes condições climáticas trabalhando a céu aberto. “As normas trazem algumas medidas básicas que todo empregador deve tomar em relação aos trabalhadores, considerando ter abrigo para proteger os trabalhadores das intempéries, protetor solar, roupas leves, chapéu ou ‘touca árabe’ e fornecer água fresca em abundância”, explica.
No entanto, no caso de M. G., de 53 anos, que trabalha entregando panfletos para uma empresa privada das 8h às 17h, o preparo para essas situações não é adequado. “É muito difícil, a gente fica sem força mesmo. Não dão blusa térmica nem filtro, só água. Mas aqui não é carteira assinada, então não sei o que fazer”, conta. Nesses casos, como Senra destaca, os trabalhadores sempre devem buscar órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho e, no caso de não cumprimento, os próprios sindicatos podem ser acionados. “Internamente, há os órgãos de segurança também. Esse é um direito do trabalhador, não é nenhum favor”, destaca. Nos casos de exposição direta ao sol de forma muito intensa, ele também sinaliza que é importante prestar atenção em sinais que o corpo transmite.
Entre eles, é preciso atentar para o risco de insolação (com sintomas de boca ressecada, pele vermelha, ardência no corpo e até febre posteriormente), queimadura, ressecamento e desidratação, que deixam claro que pode ter algo de errado com esse controle da exposição. A longo prazo, como Senra destaca, o sol, que é a fonte de irradiação ultravioleta e não causa mutação das células, pode gerar queimaduras na pele que evoluem para um câncer de pele – o que reforça a importância de manter os cuidados citados.
Novas medidas em razão do calor
Em razão das ondas de calor e aumento das temperaturas, há países e empresas de todas as realidades que já adotaram novas medidas e regramentos. São escritórios abandonando a obrigatoriedade de terno e gravata, fábricas mudando a climatização para manter a produtividade, escolas colocando ar-condicionado para que seja possível manter os estudos. O chefe regional da Organização Internacional do Trabalho para os países árabes, Ruba Jaradat, na conferência sobre estresse térmico ocupacional, destacou como as mudanças climáticas podem colocar em risco a saúde dos trabalhadores – e alertou para o fato de que esse fenômeno inclusive já matou milhares de pessoas nas últimas décadas. No Oriente Médio, desde 2011, o trabalho ao ar livre não pode acontecer entre 10h e 15h30, de 1º de junho a 15 de setembro, ou seja, no período que compreende o verão no Hemisfério Norte.
Apesar de não haver um padrão internacional de tolerância à temperatura para o trabalho ao ar livre, o cenário indica que possa ser preciso adotar medidas desse tipo para garantir o mínimo de bem-estar para os trabalhadores. “Considero que pausas mais frequentes sejam necessárias, porque esse trabalho realizado a céu aberto, nas ondas de calor e temperaturas muito altas, desgasta realmente mais. Em trabalhos que não é possível fazer essa interrupção nos momentos mais quentes, é preciso intensificar as medidas, como as pausas”, indica Senra. Ele destaca que se deve tentar minimizar ou neutralizar todo risco para o trabalhador durante o desempenho de suas funções. “Mesmo que a empresa disponibilize a água em abundância, é preciso essa conscientização para que o trabalhador se lembre de se hidratar bem, faça a renovação do filtro solar, use adequadamente a roupa disponibilizada e tenha os cuidados básicos necessários na atividade”, afirma.
A Tribuna questionou a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), empregadora dos trabalhadores do Demlurb e da Sesmaur, a respeito dos casos comentados. Segundo a Administração municipal, por meio de nota, os equipamentos de proteção individual são fornecidos de acordo com as especificidades das tarefas, conforme previsto nos Programas de Gerenciamento de Risco e Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional de cada órgão.
“É sempre obrigatório o uso de itens como filtros solares, óculos de proteção e vestuário dotado de proteção térmica. Os pontos de apoio e instalações que, dentre outros suportes, possuem banheiros e acesso à água, estão dispostos na cidade de modo regionalizado”, informa o comunicado, que continua: “Os servidores são orientados a aumentarem o número de pausas para hidratação durante a jornada, como forma de melhorar o conforto térmico em dias de maior calor. Não há registros de eventos agudos relacionados ao calor. Em casos de intercorrência, os servidores são encaminhados para o setor de medicina do trabalho para atendimento e acompanhamento.”