Direito a acesso a serviços é desafio para pessoas surdas em JF
Cidade avança na promoção de direitos de pessoas surdas e inclusão de intérpretes em novos espaços, mas Libras ainda é pouco democratizada e conhecida entre a sociedade ouvinte
As barreiras que a comunidade de pessoas surdas pode encontrar na hora de se comunicar para a realização de atividades essenciais são muitas. Wellington Blendon Leandro tem 26 anos e nasceu surdo devido a uma doença que sua mãe teve durante a sua gestação. Aos 3 anos, ele começou a adquirir a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e, posteriormente, foi aprendendo o português como sua segunda língua. Hoje, formado em Licenciatura em Letras Libras, o jovem acumula uma amplitude de experiências e desafios na comunicação com pessoas ouvintes. “Quem me incentivou a aprender foi minha mãe, e eu cresci dependendo da família para me ajudar. Costumava levar papel escrito para ir aos lugares e escrever o serviço que eu precisava”, comenta.
Após Juiz de Fora ter promulgado, no início deste mês, lei que torna obrigatória a presença de um intérprete de Libras em todas as agências bancárias, empresas prestadoras de serviços públicos e órgãos da Administração Pública, Wellington Blendon foi ao banco demandar um serviço e não encontrou o apoio previsto. Por acaso, ele esbarrou com uma amiga e intérprete profissional, Júlia Xavier, que o ajudou. “Foi muito mais fácil e rápido conseguir ser entendido do que se eu tivesse que tentar diretamente com a bancária, demoraria mais e teria chances de ela entender diferente”, atesta.
Embora o prazo de tolerância de 180 dias para a adaptação das instituições ainda esteja em vigor, na observação de Júlia Xavier, que atua na área há dois anos e é mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os esforços para iniciar a adequação não parecem estar sendo direcionados. “Logicamente, trata-se de uma norma vigente há pouco tempo, mas pude notar que nem mesmo os profissionais dos bancos estão completamente cientes do novo regulamento. Vejo que persiste um desconhecimento quanto ao que representa a efetiva concretização de políticas destinadas à acessibilidade e à inclusão. É um direito da pessoa surda participar, de maneira plena, das múltiplas atividades que se desenvolvem no meio social e ter suas demandas atendidas pelas diversas instâncias da coletividade, mas notamos, com recorrência, o negligenciamento desse direito.”
Como intérprete, Júlia integra o projeto “Mãos Librilhantes”, iniciativa voltada para a inclusão e encabeçada pela Área de Comunicação Social Espírita (ACSE) da Aliança Municipal Espírita de Juiz de Fora (AME/JF). “Uma vez que me deparei com pessoas surdas em confraternizações espíritas, ligadas à minha fé, percebi a urgência de contribuir para maior acessibilidade em tal setor.”
Quanto ao lugar e a valorização da profissão de Libras na cidade, a avaliação é que a área está em expansão. “Cada vez mais, Juiz de Fora está criando oportunidades, mas a carência de profissionais faz com que, frequentemente, as vagas sejam aproveitadas por amadores. Contudo, ainda assim, falta diálogo com o profissional referido, cujas condições de atuação são, não raro, ignoradas. Muitas vezes, em sala de aula, os intérpretes são confundidos com professores de apoio.”
Discrepância para a carreira nos setores público e privado
Compartilhando a experiência, Dandara Santos Diniz é professora formada pela UFJF e também intérprete de Libras profissional desde 2017. Para ela, há uma discrepância nas condições para a carreira nos setores público e privado. “Vejo que na área pública já conquistamos concurso público para professor de Libras no município, os editais de arte e cultura têm essa pauta. Além disso, a UFJF oferta curso de graduação em Licenciatura em Letras Libras, o que é um grande diferencial e avanço. Em oposição a isso, na rede privada de educação ainda não encontramos valorização salarial compatível”, destaca.
A conquista de melhores condições é uma luta em constante movimento pela área, assim como para a comunidade surda, que busca reconhecimento, visibilidade, mais engajamento e transformação das ideias formadas por uma sociedade de ouvintes. “Não só os órgãos precisam valorizar o profissional, mas as pessoas no geral, que precisam começar a tirar essa herança histórica de que a Libras é um favor ou uma caridade. Ela não é, é uma língua própria, diferente do português, e é um direito de todos que querem aprendê-la”, defende Dandara.
Mudança social em prol da diversidade
Para Wellington, a mudança social em prol da diversidade passa por uma sociedade que se responsabiliza por seu papel e assume compromisso com o conhecimento da Libras e de uma educação mais inclusiva. “Pessoas ouvintes têm que saber que a maioria dos surdos não é bilíngue, ou seja, não teve a oportunidade de aprender bem o Português. E boa parte é por causa da falta de estímulo e apoio, existe muito desconhecimento e preconceito. Constantemente tenho que prestar ajuda na interpretação para amigos surdos conseguirem ser atendidos, seja no hospital ou na padaria.”
A falta de informação está, até mesmo, entre as famílias das pessoas surdas, o que é um problema que atravessa a prática educacional, como relata a professora Dandara. “Muitas vezes, chego para atuar em determinada escola e o aluno não tem alfabetização na Libras e nem na Língua Portuguesa. Os familiares não sabem onde levar ou como fazer para que o filho tenha contato com a comunidade surda. Ou seja, faltam informação, preparo, um centro de apoio e a escola saber orientar mais. Nós temos esses locais em JF, mas a ponte não é feita. Isso também se dá porque a escola não tem um suporte pedagógico adequado que possa orientar a família.”
Entre os serviços que atendem essas demandas, Juiz de Fora conta com o Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE) da Secretaria Municipal de Educação, a Associação dos Surdos e a Escola Estadual Maria das Dores, referência no ensino de Libras. “Precisamos fazer mais ações de conscientização dentro dos campos de saber. Acessibilizar os órgãos públicos, os diversos documentos civis e as informações no geral são direitos previstos nas leis de inclusão que, por mais recentes que sejam, estão em vigor e precisam ser seguidos”, afirma Dandara.
* Bruna Furtado, estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa