Mobilidade urbana é desafio para pessoa com deficiência em Juiz de Fora
Má conservação das calçadas e obstáculos são principais reclamações de quem precisa enfrentar falta de acessibilidade no dia a dia
Sair de casa, ir até o ponto de ônibus, atravessar a rua, andar pela calçada até o trabalho. Atos corriqueiros que mal gastamos tempo pensando antes de realizar. Porém, esse simples caminho pode se tornar uma odisséia aos que necessitam de acessibilidade para vencer barreiras de locomoção. Nesta quinta-feira, dia 21 de setembro, Dia da Pessoa com Deficiência (PcD), a Tribuna de Minas aborda a mobilidade urbana em Juiz de Fora e os obstáculos que precisam ser enfrentados diariamente por essa parcela da população.
Obstáculos na via
Andando pelo passeio de pedras portuguesas na Avenida Rio Branco, Centro de Juiz de Fora, frequentemente o bastão guia de Reginaldo de Oliveira bate em uma pedra solta. Quando não é isso, ele precisa diminuir a velocidade preocupado com os buracos. As caixas de verdura dos hortifrútis espalhadas na calçada também são uma dor de cabeça, sem falar das placas de restaurante e mesas de bar que são postas irregularmente em frente aos estabelecimentos.
“Um dia desses, fui me aproximando de um vendedor ambulante que colocou os produtos em uma mesinha no meio do passeio. Eu nem tinha encostado na mesa dele, e ele já veio colocando as mãos no meu peito, me agarrando e tirando de perto. Aí eu fiquei meio estressado com ele”, conta. Reginaldo usa uma guia verde, que indica baixa visão. Em uma sala fechada, com iluminação controlada, ele consegue enxergar vultos, mas na rua não vê praticamente nada.
Aos 16 anos, a visão dele já estava muito reduzida. Hoje, com 38, percorre Juiz de Fora para todo lado. “Conto muito com a ajuda dos outros. Moro no Bairro Bairu e venho para o Centro de ônibus todo dia.” Uma de suas reclamações é sobre o piso tátil, faixas em alto-relevo fixadas no chão que fornecem auxílio na locomoção de pessoas com deficiência visual. Reginaldo afirma que elas existem em poucos lugares. “Deveriam ter mais. E quando há, existem obstáculos em cima. Não é por mal, mas fica um monte de gente parada em cima do piso tátil. Sem contar que, em alguns lugares, ele é colocado de forma errada, muito próximo da pista de carros, o que é um perigo para a gente.”
Acessibilidade é autonomia
Aos quatro meses, Thaís Altomar teve poliomielite e perdeu o movimento das pernas. Ganhou sua primeira cadeira de rodas aos 13 anos, época em que o equipamento era caro e pouco acessível. Conquistou a partir daí sua autonomia e independência. “Com o apoio e a confiança da família, eu lidei com as dificuldades da acessibilidade desde jovem. Em uma época em que nem se falava no termo. Apesar disso, sempre me virei. Formei em jornalismo, fui trabalhar, morei sozinha por três anos em Natal, voltei para Juiz de Fora há 20 anos, me casei e hoje tenho um casal de filhos.”
A cadeira de rodas nunca foi empecilho para Thaís conquistar seus objetivos. Hoje, aos 59 anos, ela afirma que vê avanços quando se trata de mobilidade urbana para pessoas com deficiência, principalmente na legislação, mas a prática ainda deixa a desejar. “Principalmente depois da Lei Brasileira de Inclusão, que entrou em vigor em 2015, vemos avanços no debate sobre a acessibilidade da pessoa com deficiência. Infelizmente ainda temos muitos problemas para colocar o que está no papel no dia a dia.”
Thaís aponta que acessibilidade não se restringe ao transitar pelas calçadas, mas engloba todo o mobiliário urbano que garante ao cidadão o direito de ir e vir. A possibilidade de pegar um transporte público, de acordo com ela, ainda apresenta muitas adversidades. “Volta e meia o elevador dos ônibus está com defeito. Como qualquer outra pessoa, o cadeirante que vai pegar ônibus tem um compromisso, ou ele está indo para o trabalho, uma consulta médica, para escola. Bastaria uma fiscalização na saída dos ônibus da garagem para conferir se o elevador está funcionando. É um direito básico.”
Barreira na efetivação das leis
A discussão sobre acessibilidade no Brasil é relativamente recente, aponta o professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Emmanuel Pedroso, que também é coordenador do Grupo de Pesquisa ID – Envelhecimento, Acessibilidade e Lugar. “Nas últimas décadas, o conceito tem ganhado força no país, sobretudo a partir dos anos 1980, quando foi estabelecida a primeira versão da principal referência em termos de acessibilidade que é a NBR-9050.” No setor da construção, a NBR-9050, conhecida como norma de acessibilidade, apresenta critérios e parâmetros para instalação de equipamentos e adaptação de espaços, de forma que se tornem acessíveis para todas as pessoas.
Outro ganho recente se deu com a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015. Para Pedroso, apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta diversas barreiras no que diz respeito à efetivação dessas leis. “Promover a acessibilidade é permitir que o local seja utilizado por qualquer pessoa, seja com deficiência, pessoas idosas ou obesas, por exemplo. Seguindo esse conceito, podemos afirmar que Juiz de Fora, de uma maneira geral, não é uma cidade acessível. Você não tem a possibilidade de utilização da cidade de uma maneira plena por todas as pessoas.”
Incentivar a adaptação de locais para uso de todos deve ser uma ação conjunta entre o Poder Público, a iniciativa privada e os cidadãos, afirma o pesquisador. De acordo com ele, é preciso atuar em três frentes: reformas em espaços já construídos, instalando equipamentos de acessibilidade; construção de locais pensando nas PcDs e campanhas de conscientização sobre a inclusão dessa parcela da população no dia a dia. “Nós precisamos que o Poder Público atue na fiscalização, na orientação e na proposição de ambientes acessíveis. Além disso, precisamos que a população se envolva na cobrança dessas responsabilidades, para que a gente tenha, através desses vários esforços, uma cidade de fato acessível no futuro.”
Conservação dos passeios é de responsabilidade do proprietário
Questionada sobre a manutenção das calçadas e a acessibilidade nas vias da cidade, a Prefeitura de Juiz de Fora respondeu, por meio de nota, que, conforme estabelecido pelo Código de Posturas do município, os proprietários ou possuidores de imóveis, edificados ou não, servidos por vias públicas pavimentadas e dotadas de guias ou sarjetas, são responsáveis por construir e conservar os passeios.
O posicionamento é que a fiscalização ocorre por meio de agentes da Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas (Sesmaur) que, até esta quarta-feira (20), emitiram 1.259 documentos fiscais relacionados às calçadas, sendo 268 termos de intimação para recomposição ou construção, autos de infração e diligências. Destes, 695 são documentos fiscais relativos à desobstrução das vias, além de operações de ocupação e apreensão do comércio irregular.
A PJF ainda ressaltou a licitação do comércio popular em Juiz de Fora, homologada na última terça (19). “A partir de agora, a Comissão de Acompanhamento do Comércio Popular seguirá regularizando outras áreas da cidade. As denúncias relacionadas ao assunto devem ser encaminhadas para o WhatsApp: 32 3690-7984.” Além disso, conforme o Executivo, foram construídas rampas de acessibilidade em diversos bairros da cidade durante a atual Administração. “No momento, está sendo construída uma na Rua Batista de Oliveira com a Avenida Francisco Bernardino.”
Acessibilidade no transporte público
Tribuna demandou a Via JF, concessionária responsável pelo transporte público em Juiz de Fora, sobre a acessibilidade nos coletivos que rodam na cidade. Em nota, a empresa afirmou que todos os veículos do transporte público são preparados para receber cadeirantes. “Contam com elevador automático com trava de segurança para o embarque e o desembarque dos passageiros, cintos de segurança para fixar a cadeira no veículo e banco para acompanhante. Os novos ônibus adquiridos para circular em Juiz de Fora são, obrigatoriamente, deste modelo.”
Via JF ainda afirmou que o aplicativo Cittamobi Acessibilidade possui a função “emitir áudio”, específico para pessoas com deficiência visual. “A função permite obter a informação exata da trajetória, bem como o horário de cada ônibus e o ponto de parada desejado.” Além disso, com base no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 2015), as PcDs têm direito à gratuidade no transporte público da cidade, destacou a Via JF.