Fissura no sistema

A delação premiada de um dos participantes na morte da veredora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, dá margem para se chegar não apenas aos mandantes, mas também a muitos outros crimes não elucidados no Rio


Por Tribuna

30/07/2023 às 07h00

A delação premiada do ex-policial Élcio Queiroz, que participou ativamente na morte da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes – era ele o motorista que conduzia o veículo com o autor do crime, Ronnie Lessa -, começa a jogar luzes numa série de pontos que continuam obscuros num caso ocorrido no dia 14 de março de 2018. Já se passaram quase seis anos, e ainda não se sabem dois pontos cruciais: quem mandou matar e o motivo, já que ela não tinha ação direta contra o crime organizado ou qualquer corporação ilícita do Rio de Janeiro.

As investigações, ao curso de todos esses anos, andaram a passos de cágado, só ganhando impulso com a entrada da Polícia Federal, mesmo assim, só após o ministro da Justiça, Flávio Dino, utilizar o argumento da repercussão internacional para passar-lhe a missão. Enquanto a apuração estava por conta da Polícia Civil do Rio de Janeiro, só foi descoberto o autor do crime. Ele chegou a ensaiar uma delação premiada, mas a proposta – sem que haja explicação formal – não avançou. Seu parceiro só abriu o jogo, agora, diante da PF.

O crime, cuja repercussão percorreu o mundo, mostrou uma trágica faceta da violência urbana e dos atores que fazem dela um meio de poder e de enriquecimento. O tráfico de drogas e as milícias tornaram-se um dos principais fatores para o aumento de crimes tentados ou consumados contra a vida numa cidade que há anos tenta se livrar da marca da violência.

O que se espera, sobretudo após a delação do ex-policial Queiroz, é que as investigações ampliem ainda mais a fissura que surgiu no sistema e possam elucidar não apenas a morte da vereadora e de seu motorista, mas também de tantos outros casos que estão sem qualquer resultado.

A cidade do Rio de Janeiro, e não é de hoje, tem sido sede de um estado paralelo, com leis próprias e capaz de fazer a população refém, sujeita a pagar taxas para acesso à internet, ao abastecimento de gás e até mesmo ao direito de ir e vir. A elucidação do crime pode ser a porta de entrada para uma longa série de ocorrências que perpassam o dia dos moradores, especialmente das comunidades, nas quais não há acesso do Estado formal.

Tão logo começaram as investigações, já se sabia da implicação de atores poderosos. De acordo com o que foi apurado até agora, o responsável pela intermediação entre o ex-policial Ronnie Lessa, que puxou o gatilho, e quem mandou matar Marielle foi executado em 2021, à luz do dia na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Até hoje não se sabe, sequer, quem foi o responsável pela execução.
Como a Polícia Federal divulgou apenas parte da delação, é de se supor que há outros dados relevantes a serem confirmados. O ministro diz com todas as letras que o desfecho está próximo. Não disse mais, sobretudo pelo zelo de alguém que já foi juiz federal e sabe da importância do sigilo em investigações de tal monta.

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