No coração da cidade: a história do Clube Juiz de Fora
Série especial da Tribuna de Minas “JF: Morada & Passagem” percorre lugares marcantes que fazem parte dos 173 anos da cidade
Na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Halfeld, no alto do 16º andar, resistem 120 anos de história. É lá de cima, onde passado e presente se misturam, que a faxineira Rosângela Baltazar, 52 anos, ouve a cidade. “O Clube é o coração da cidade mesmo. Daqui a gente escuta muita coisa. Coisas boas que você vai guardar e coisas tristes também. É que nem o coração de mãe, guarda tudo.”
Ao longo deste mês de maio, a Tribuna de Minas percorre lugares marcantes de Juiz de Fora que são morada e passagem para os personagens que ajudaram a construir os 173 anos de história da cidade. Esse trajeto começa do alto do Edifício Clube Juiz de Fora, prédio na região central, que abriga no seu último andar o clube mais antigo do município. Quem guia o percurso são os olhos de Rosângela Baltazar, que trabalha há 15 anos no local.
120 anos do Clube Juiz de Fora
Fundado em 1903, o Clube Juiz de Fora, primeiro da cidade, segue quase esquecido em meio a agitação das ruas que o cercam. Preservado no 16º andar do edifício que leva o seu nome, a entidade hoje conta com 37 associados, mas, em seus tempos áureos, já teve mais de 60. O Clube recebeu presidentes da República, teve bailes, jantares e noites de jogos para a alta sociedade juiz-forana. Mas o peso histórico do Clube e a imponência do edifício parecem ficar de fora quando as portas do elevador se abrem no 16º andar.
Atualmente, cinco funcionários são responsáveis por manter viva a memória do espaço. Uma dessas pessoas é Rosângela. Ao longo dos 15 anos em que está no Clube, viu o trabalho diminuir, junto com o número de sócios. “No começo eu vim para trabalhar no 13º (andar). Lá era outra coisa, muito movimentado. Tinham muitos sócios, muitas mulheres, hoje em dia não tem mais. São só uns cinco ou seis que aparecem aqui para jogar de vez em quando.”
Todo dia ela acorda cedo, sai da sua casa no Bairro Granjas Betânia, Zona Nordeste de Juiz de Fora, e fica cerca de uma hora no ônibus para trabalhar. Se despede dos filhos, uma moça de 21 anos e um rapaz de 25. “O meu esposo eu perdi no ano passado para o câncer. Foi muito rápido. Assim que ele descobriu, se passaram três meses e ele não resistiu mais.” A rotina de chegar ao Clube, fazer café, comprar pão e conversar com os demais funcionários a ajudou a passar pelo momento difícil. “Esse lugar e essas pessoas me ajudaram no momento em que eu mais precisei.”
Para Rosângela, esses pequenos momentos são mais importantes do que qualquer luxo, renome ou status que o Clube possa ter. Em um dos prédios mais famosos da cidade, conhecido por sua arquitetura e pelos painéis de Candido Portinari, o que ela acha mais bonito são as árvores do Parque Halfeld que podem ser vistas na fachada Oeste. “A vista aqui é muito bonita. Quando chove a gente fica olhando, parece uma pintura. A gente se sente no topo da cidade.”
Sobre a história do prédio, ela sabe do que ouviu falar. “Fiquei sabendo que tinha um outro prédio aqui antes, né? Que pegou fogo. Depois eles construíram esse e deram os últimos andares para o Clube.” Um quadro logo na entrada retrata o passado suntuoso da entidade. O antigo prédio tinha três andares, arquitetura eclética, pintado de amarelo, era um verdadeiro cartão postal do município. Ele foi fundado em 1918 e abrigou a sede do Clube até 1950, quando um incêndio consumiu toda a estrutura após um baile de carnaval.
A solução foi trazer os ares da modernidade com a construção de um novo prédio no mesmo lugar. Aproveitando a localização privilegiada, o desenho foi feito pelo arquiteto Francisco Bolonha, expoente do movimento modernista e buscou unir arte e arquitetura ao trazer mosaicos a céu aberto de Candido Portinari. “Lá no 13º também tinha um painel muito bonito. Quando eu trabalhava lá, vinha o pessoal da escola e pedia para ver”, relembra Rosângela, referindo-se ao painel de pastilhas de Paulo Werneck, um dos maiores muralistas brasileiros. “Eu acho esse um dos prédios mais bonitos da cidade. Sinto orgulho de poder vir trabalhar aqui todo dia. Parte da minha história está neste prédio.”
Luta por resistência
Antes de trabalhar no Clube Juiz de Fora, Rosângela apenas tinha ouvido falar das festas e dos bailes que existiam. “Sempre tive a curiosidade de saber como era. Mas nunca tinha vindo. A primeira vez que entrei foi quando o presidente, senhor Édson, me convidou para trabalhar. Ele disse que aqui eu teria estabilidade, carteira assinada, então eu vim.” O presidente a qual Rosângela se refere é Édson Costa, que ficou à frente do Clube por muitos anos. Ela conta que trabalhou por algum tempo fazendo faxina na casa dele e foi assim que ele fez a oferta de trazê-la para o Clube.
“Eu me dei muito bem com esse trabalho. Algumas pessoas falam que é pesado, mas quando você gosta pega jeito e faz rápido. Ainda mais se é um lugar bom de trabalhar igual aqui. É uma pena que esteja acabando.” De acordo com o atual presidente, Mário Arcanjo, devido a situação financeira e a não renovação dos sócios, o Clube Juiz de Fora não deve resistir por muitos anos. “O Mário disse que a gente fica por mais uns dois ou três anos. É muito triste, porque eu gosto de trabalhar aqui.”
Para o futuro, Rosângela já tem planos. Ela quer descansar, passar mais tempo com a família, viajar e passear mais. “Quero me divertir, porque já tem bastante tempo que eu trabalho. Comecei cedo. Outra coisa que eu estava pensando era voltar a estudar. Parei na terceira série e estava pensando em voltar, fazer algum curso, de informática, para aprender a mexer com a tecnologia.”
O futuro do Clube, por sua vez, já é mais incerto. Atualmente não existe a possibilidade de novos associados. No entanto, ele segue aberto, de segunda a sexta-feira, no período da tarde, até às 17h. Todos os dias, pelo menos dois ou três sócios aparecem para jogar. Se sentam em uma mesa em círculo e sacam as cartas do baralho. Pedem um café ou uma água, leem o jornal, conversam, dão risada. “Tem muito sócio que já passou por aqui e disse que nós éramos a família dele. Pessoas que são sozinhas ou que a família mora longe. Eu acho que isso é o Clube e está acabando, essa convivência com os outros. Hoje em dia, os jovens não querem mais saber disso. Mas são as mudanças do tempo.”