Startup de Juiz de Fora recicla oito mil toneladas de vidro em dois anos
Empresa coleta resíduos em 80 municípios da Zona da Mata e Vertentes e gera renda para mais de mil catadores
Após trabalhar por quase 30 anos em multinacionais, o juiz-forano José Flávio Gouveia decidiu tirar um ano sabático e voltar para a sua cidade natal. Durante esse período de descanso, procurou pontos de descarte correto de vidro e descobriu que a reciclagem desse material não era oferecida em Juiz de Fora, tudo ia para o aterro sanitário. Para mudar essa realidade, Flávio criou a Ciclo, uma startup que atua na coleta, no tratamento e na reciclagem de vidro em 80 municípios da Zona da Mata mineira e Campo das Vertentes. Nos dois anos de atividade, a empresa já reciclou cerca de oito mil toneladas de vidro. Para se ter uma ideia, a estimativa da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro) é de que a cada seis toneladas de vidro reciclado, uma tonelada de CO2 deixa de ser emitido na natureza.
Durante a época em que trabalhou como executivo, a vontade de criar um projeto que causasse impacto positivo no mundo sempre o acompanhou. “Temos que ajudar o mundo a se transformar, não adianta só falar, tem que traduzir isso em ação.” A Ciclo foi a forma que ele encontrou de fazer desse propósito uma solução para o município e para a região.
“Eu fiquei impressionado quando descobri que a cidade não tinha reciclagem de vidro, porque o vidro é um material 100% reciclável. Uma garrafa de vidro fundida se transforma em outra sem perdas, é o único material que pode fazer isso. E quando o vidro é despejado no aterro sanitário, ele pode demorar até dez mil anos para se deteriorar, já que a base principal é areia, mais difícil de degradar”, comenta Flávio.
Antes de fundar a Ciclo, ele encomendou um estudo na Faculdade de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para analisar o cenário da reciclagem na região. Dos 70 municípios pesquisados, 67 não realizavam a coleta e o reaproveitamento de vidro. Para seguir com o objetivo de retirar o vidro dos aterros e lixões da região, o empresário conta com o apoio do diretor de operações da empresa, Flávio Semedo, que já tinha experiência com gestão de aterro sanitário e conhecia os impactos negativos do descarte irregular do material, como a redução da vida útil dos aterros.
“Na época em que eu trabalhava com a gestão ambiental e logística de aterros sanitários, eu fazia a gestão de 80 contratos com um escoamento de 750 toneladas de lixo por dia. Eu era responsável pela logística de captação desses resíduos, pelo controle da entrada deles nos aterros e pelo tratamento do material. Então eu tinha noção dos impactos causados pela ausência de reciclagem”, explica o diretor de operações.
Transformação ambiental e impacto social
O propósito da startup é causar transformação ambiental e ao mesmo tempo impacto social através da geração de empregos. Hoje, a empresa conta com 22 trabalhadores com carteira assinada e um dos objetivos é priorizar a contratação de catadores e pessoas em situação de rua. Além disso, mais de mil catadores são beneficiados indiretamente, já que a Ciclo compra o material reciclável de cem associações. Em Juiz de Fora, a parceira é mantida com a Associação Municipal dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Juiz de Fora (Ascajuf), Associação de Catadores Autônomos Lixo Certo (Alicer) e Associação dos Catadores de Papéis e Resíduos Sólidos (Apares).
A reciclagem de vidros ainda é um trabalho pouco explorado na região, muito por conta da baixa remuneração do produto, que, por concorrer com a areia, é vendido por um preço menor. “A valorização de resíduos é um dos pilares da empresa. O vidro não tinha valor e passou a ter após o trabalho que a gente vem fazendo na região”, diz o diretor de operações Flávio Semedo. Para ele, as atividades da Ciclo conversam com o conceito de mineração urbana, ou seja, são recuperados insumos que ainda são úteis para o reaproveitamento, mas que foram descartados e acabariam enterrados em lixões.
Da coleta ao reaproveitamento: as etapas da reciclagem de vidro
Por dia, chegam em média cinco contêineres carregados de vidro na sede da Ciclo e a mesma quantidade, já reciclada, segue em direção ao Rio de Janeiro para ser encaminhada para as indústrias que vão produzir novas garrafas. Esse processo todo, no entanto, não é tão simples quanto parece. Desde a coleta até o envio para as multinacionais que compram o material, muitas etapas estão envolvidas.
Quando o material chega na startup o primeiro passo é a triagem, em que metais, alumínios, pedra, papel e outros contaminantes são retirados; depois o recurso passa por um sistema de moagem, no qual o vidro será triturado; e ainda tem o processo de peneiração, de eletroímãs e os coletores de pó e papel para que o produto final esteja pronto para dar vida a um novo.
A Ciclo recebe qualquer tipo de vidro independente da cor, do tamanho ou de estar quebrado. Os empresários comentam que é muito comum as pessoas confundirem cerâmica e porcelana com vidro, mas esses materiais não devem ser descartados juntos, pois demandam processos diferentes.
Hoje, a Ciclo recebe vidro dos principais bares, restaurantes e indústrias de Juiz de Fora, além dos coletados pelas associações de catadores. Recentemente, a empresa fechou uma parceria com o Bahamas, onde todas as lojas do supermercado contam com ponto de coleta. As pessoas interessadas em reciclar o material com um volume maior também podem se dirigir à sede da startup, localizada na Rua Bruno Simili, 205, no Distrito Industrial, ou entrar em contato pelo Whatsapp (32) 99819-6498.
Segundo o fundador da Ciclo, a próxima meta é processar mais de mil toneladas por mês de vidro. Atualmente a empresa recicla cerca de 700 toneladas por mês. “Queremos, por meio da conscientização ambiental, fazer com que toda a região entenda a importância da reciclagem, sendo parceiros para viabilizar a nossa empresa e ajudar a fazer a transformação que precisamos na nossa região.”
Ecovidro Tiradentes: ‘doe vidro, doe vida’
Com o lema “doe vidro, doe vida”, a startup criou o projeto “Ecovidro Tiradentes” em que todo o recurso financeiro arrecadado com a reciclagem de vidro na cidade histórica é repassado para o Abrigo Tiradentes, uma instituição sem fins lucrativos voltada para o cuidado de idosos.
O projeto é realizado em parceria com um supermercado local e com uma fabricante de vidros temperados de Barbacena. O descarte pode ser feito em uma caçamba localizada em frente ao Abrigo Tiradentes, na Rua dos Inconfidentes, 349, no Centro do município.