Gerações, falta de dinheiro e feminismo em ‘As maravilhas’
Primeiro romance de Elena Medel mostra as dificuldades de três gerações de mulheres espanholas, que vão das faltas de opções ao machismo
Encontrar exemplos sobre as inúmeras dificuldades que as mulheres enfrentam na sociedade não é difícil, apesar dos avanços nas últimas décadas. Eles podem estar em nossas casas, na família, vizinhos, e se espalham por todo o país. E não é preciso pensar muito para saber que se trata de uma questão que atinge o mundo todo, em maior ou menor grau dependendo da cultura, costumes ou religiões majoritárias de cada nação. “As maravilhas” (Editora Todavia, 194 páginas), da espanhola Elena Medel, venceu o Prêmio Francisco Umbral de Livro do Ano em 2020 contando algumas dessas histórias.
O romance de estreia de Medel – até então mais conhecida pelos livros de poesia e ensaios – atravessa três gerações de mulheres espanholas por quase cinco décadas, entre 1969 e 2018. Dessas gerações, porém, acompanhamos as histórias de duas personagens: a mais velha é María, que precisa deixar sua terra natal para trabalhar como doméstica em Madri após ter uma filha com um homem cujo nome não é revelado, e que é deixada aos cuidados de seus pais e irmãos; a outra protagonista é Alicia, sua neta, que também foi para a capital devido a uma tragédia que acabou, ainda na adolescência, com suas perspectivas de futuro.
Entre as duas, temos uma terceira personagem: Carmen, filha de María e mãe de Alicia, que não tem voz na história, mas sua presencia/ausência é sempre lembrada pelas outras duas personagens, que precisam lidar com suas próprias escolhas e a relação difícil – ou a falta dela – com aquela que é ao mesmo tempo mãe e filha.
“As maravilhas”, porém, não é apenas um livro sobre como algumas escolhas definiram os rumos dessas três gerações. A história pensada por Elena Mendel é também sobre o feminismo e como o dinheiro – e a falta dele – influenciou e segue influenciando as vidas dessas mulheres. É por causa do dinheiro que María precisa deixar a filha com a família e manter distância, com o passar das décadas, tanto da filha quanto das netas, cujos rostos sequer conhece. É o mesmo dinheiro que faz com que ela não possa participar de manifestações políticas e/ou feministas, e é também o dinheiro que dificulta à personagem dizer “não” às propostas de Pedro, com quem tem um relacionamento de mais de 20 anos e que ela não sabe dizer se é parceiro, namorado ou companheiro.
No caso de Alicia, o dinheiro que havia na infância dava a ela mais segurança para ser cruel com as outras pessoas, e manter distância delas. Quando uma tragédia acaba com o conforto, as regalias e as perspectivas de um futuro e de estudos e bons empregos, “As maravilhas” mostra como a falta de dinheiro impacta sua vida de várias formas, seja no casamento conveniente e insosso com Nino ou os empregos de salários irrisórios que não permitem luxos ou pensar nas causas feministas.
“As maravilhas” não é um livro linear em seu desenvolvimento, indo e voltando no tempo para ajudar o público a entender as motivações, dramas, escolhas – e as faltas delas – e suas consequências para as personagens. Mais do que mostrar os conflitos entre gerações – até porque as personagens pouco se relacionam -, o livro de Elena Mendel usa de uma narrativa envolvente que nos ajuda a entender as dificuldades enfrentadas pelas mulheres espanholas nas últimas décadas para estarem em posição de igualdade social, política, sexual e econômica em relação aos homens.