O futuro do (Direito do) Trabalho
Antes mesmo da pandemia, o mundo do trabalho já vinha passando por mudanças radicais decorrentes do desaparecimento, transformação ou inovação de vários setores da economia – fenômeno chamado por alguns de “Trabalho 4.0”. Com a pandemia, a situação se tornou ainda mais complexa.
Os impactos de curto prazo da Covid-19 foram severos: milhões de pessoas entraram em licença do trabalho ou perderam seus empregos; outras rapidamente se adaptaram ao trabalho em casa quando seus escritórios fecharam. Muitos outros trabalhadores foram considerados essenciais e continuaram a trabalhar em hospitais e supermercados, em caminhões de lixo e em depósitos para entregas de e-commerce, sob novos protocolos, para reduzir a disseminação do novo coronavírus. A pandemia levou empresas e consumidores a adotarem rapidamente novos comportamentos que provavelmente permanecerão entre nós mesmo após a pandemia. O trabalho remoto e as reuniões virtuais provavelmente continuarão presentes, embora com menos intensidade do que no pico da pandemia. A Covid-19 pode vir também a impulsionar a adoção mais rápida de automação e Inteligência Artificial, especialmente em locais de trabalho com grande proximidade física.
Essa alteração forçada no nosso modo de vida veio, como já dissemos, em meio a um tsunami de mudanças já enormes em nosso mercado de trabalho. Vivemos numa economia do conhecimento, na qual há uma enorme valorização do talento individual – com impactos positivos na estima social e na remuneração dos talentosos. Ocorre que, quanto mais importante e valorizado o talento se torna, mais raro ele é num mundo de trabalhadores sem habilidade ou educação adequadas para as novas exigências do mercado. Tudo isso acontece em meio a ciclos cada vez mais intensos de destruição, criação e transição de empregos ou trabalhos, causados pelas inovações tecnológicas.
E como o Direito pode dar conta desse cenário desafiador? Recentemente, discussões sobre a aplicabilidade do Direito do Trabalho tradicional aos trabalhadores de aplicativos (da chamada “gig economy” ou economia do bico) ganharam destaque, inclusive na imprensa. Tais debates são importantes, pois tudo indica que a velha categoria do trabalho subordinado não capta a realidade desses trabalhadores, que transitam numa zona cinzenta entre a informalidade e a formalidade.
O futuro do Direito do Trabalho passa pelo reconhecimento de que aquele trabalho estável, que durava uma vida inteira em um só emprego, não é mais a regra entre nós. Isso implica uma mudança de paradigma: se, antes, o objetivo da legislação era manter um emprego protegido contra mudanças; no futuro, a dinâmica será garantir apoio nas situações inevitáveis de mudança! Em vez de resistir às transições, o Direito do Trabalho deverá aceitar a transição como um fato inerente ao trabalho.
Tudo isso vai requerer uma nova legislação laboral que cuide dos seguintes aspectos: normas que protejam a transição de um trabalho para outro, sem perder um mínimo de garantias sociais; o direito a uma carreira pessoal que transcenda o contrato individual de trabalho; o direito ao talento, combustível de nossa economia atual, combinando educação e trabalho, para que uma recolocação se torne mais fácil; e normas que diminuam a distância entre trabalhadores tradicionais e trabalhadores atípicos.
Enfim, o Direito do Trabalho deverá abraçar a flexibilidade, fruto da nova dinâmica das relações sociais, reconhecendo-a como fenômeno essencial das atividades laborais de um futuro que já bate à nossa porta.