Debates e palestras marcam mês de conscientização do autismo
Com foco em equidade e igualdade, tema será tratado em diversos eixos; programação será transmitida pela TV Câmara
A pandemia de Covid-19 impactou profundamente a rotina de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEAs) e suas famílias, especialmente das que dependem dos serviços públicos. O atendimento presencial suspenso em diversas frentes trouxe barreiras para a continuidade dos tratamentos e dos processos educacionais, que são essenciais para garantir o desenvolvimento e o bem-estar dessas pessoas. Pensando em todos esses impasses, a programação do mês de conscientização sobre o autismo tem como fio condutor o mote “igualdade e equidade na prática”.
Em Juiz de Fora, parte da programação acontece de maneira on-line, por meio dos canais da Câmara Municipal, entre esta quinta-feira (1º), com a palestra de abertura do vereador e pediatra do Ambulatório Autista, Antônio Aguiar (DEM), falando sobre a epidemiologia do autismo, e o dia 9 de abril, com palestras diárias. Entre os palestrantes estão o coordenador estadual de Articulação e Atenção à Pessoa com Deficiência, Wesley Barbosa, que também é conselheiro estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, e também a secretária municipal de Educação, Nádia Ribas. A programação completa pode ser conferida por meio das páginas das redes sociais do Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo (Gappa).
“Diante de toda a realidade que vivemos nesse último ano, ficaram mais nítidas ainda as diferenças. Quem tem dinheiro e pode pagar um plano de saúde tem direito e não teve o tratamento dos filhos interrompido; do outro lado, quem não tem essa condição, ficou com os filhos estagnados em casa, sofrendo consequências de quebra de rotina, crise sensorial, sem apoio público”, explica a presidente do Gappa, Ariene Menezes. Ela reforça que são recebidos diversos relatos diariamente no Gappa, sobre as situações de limite que a pandemia tem provocado nas famílias de pessoas com TEA, que têm provocado – nacionalmente, inclusive – o adoecimento mental dentro dos lares.
A partir da identificação de todos os setores em que ainda há dificuldades, tanto para autistas quanto para suas famílias, será possível buscar formas práticas de alcançar, de fato, a equidade e igualdade. “Queremos fazer do trabalho de conscientização deste ano um marco para Juiz de Fora , para que ele possa ser um ponto de partida para uma virada de chave e que as coisas comecem a acontecer de uma forma acelerada”, pontua Ariene.
Impacto da falta de acesso às escolas e terapias
Antes da pandemia, os alunos com TEA em Juiz de Fora tinham acesso ao trabalho conjunto entre professores mediadores, psicólogos e psicopedagogos, com o suporte do Centro de Atendimento Educacional Especializado. Com as aulas presenciais suspensas, segundo Ariene, as apostilas com materiais só começaram a chegar em meados de setembro de 2020, para o cumprimento das exigências do período letivo do ano passado. Houve um esforço para a adaptação do conteúdo, mas não foi 100%, de acordo com a presidente do Gappa. “Foi um tempo muito ocioso. É uma minoria que consegue, na verdade, ficar parado na frente de um celular, de um computador. Tivemos uma perda muito grande em relação à questão escolar”, destaca Ariene.
Ela conta que os pais de estudantes TEAs que estão indo para o nono ano estão muito preocupados, porque essa transição é um período complicado e está sendo vivenciada sem o suporte da rede presencial. “O ano de 2020 foi um ano perdido para os alunos com deficiência, especialmente os que têm autismo. Houve uma regressão. As famílias ficaram com medo. Muitas delas optaram por deixar seus filhos em casa, por medo da falta do suporte.” Uma das situações pontuadas por ela foi a do fechamento da Escola Estadual Estevão de Oliveira, local de estudo de alunos no Gappa. Era uma instituição que tinha turmas menores e contava com uma dinâmica facilitada para discentes com TEA. Alguns deles, segundo Ariene, não fizeram matrícula em 2021.
Os Centros de Atendimento Educacional Especializado (CAEEs) também ficaram parados. Há três semanas alguns atendimentos foram retomados por meio de dispositivos digitais. “Dou o exemplo do meu filho. Ele tem o contato com a professora do CAEE uma vez por semana, e está recomeçando a estabelecer o vínculo. Trabalhamos de pouquinho para que a criança consiga focar e participar, nem que seja por meia hora.” Os atendimentos em ambulatórios também foram suspensos.
As sessões com o profissional da psicologia, por exemplo, não teriam, no caso do filho de Ariene, como ocorrer por videochamada. Mas ela acionava a psicóloga quando ocorria alguma necessidade para obter orientação. “Isso tem ocasionado uma regressão ainda maior. O que levamos anos para conquistar, pequenos avanços que conseguimos no tratamento dos nossos filhos, regride, e pode levar anos para recuperar o que foi perdido.”
Outras questões
Além das atividades escolares e das terapias, há outros pontos que serão trabalhados ao longo da semana e também estão incluídas na mobilização. Como, por exemplo, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Com a pandemia, alguns trabalhadores com autismo perderam seus empregos. Havia também um projeto dentro da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) que acompanhava a inserção de autistas no mercado de trabalho, que foi descontinuado e há a intenção de retomá-lo.
“É preciso que as empresas também entendam que um funcionário com autismo tem muito a agregar. Ele muitas vezes pode ser introspectivo, uns são muito comunicativos, cada um vai ter a área específica. Mas eles podem ser capacitados e exercer bem suas funções.” Ariene também é uma das idealizadoras de uma start up que visa colaborar na empregabilidade de pessoas com autismo, identificando vagas, promovendo capacitação e acompanhando a consolidação do trabalhador com TEA no ofício.
Outro exemplo é a dificuldade de diagnóstico. “Muitas pessoas com características autistas têm filhos autistas, é algo genético e, por conta disso, se identificam e entendem mais sobre si. Em Juiz de Fora não temos profissionais que conseguem dar diagnóstico de adulto. Há profissionais parceiros que conseguem atualizar os laudos dados na infância, mas esses outros indivíduos também precisam ter acesso para dar continuidade ao tratamento.”
Há, por fim, outras lutas, como o pedido pela “carteirinha do autismo”, aprovada há anos, chancelada por Lei e que aguarda definição de quando começará a ser emitida. E também sobre as moradias assistidas, porque os pais temem que os filhos não tenham suporte caso algo aconteça com eles, além da demanda por uma clínica-escola, ainda que existam discordâncias sobre o modelo. “O principal, de fato, é termos um local apropriado para que os indivíduos com autismo consigam ter suporte para se desenvolver da infância à fase adulta, com todos os terapeutas necessários”, afirma Ariene Menezes.